Santa Catarina de Siena - Anorexia Mirabilis

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Este post é mais uma patografia, um estudo retrospectivo da vida e doença mental de uma figura histórica.

Sobre a autora
Vanessa Marsden
Médica psiquiatra, formada pela Universidade Federal de Uberlândia, Brasil e Mestre em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal. No momento em Cambridge, UK, após estagio, em período sabático. Perdidamente apaixonada pela mente e comportamento humanos e tudo que lhes influencia e define, viajei e estudei em diferentes sociedades e culturas na tentativa de enriquecer minha prática.
http://psiquiatriaetoxicodependencia.blogspot.com/

Vou passando, como a sombra que declina; sou atirado para longe, como um gafanhoto.
De tanto jejuar, os joelhos me vacilam, e de magreza vai mirrando a minha carne.
Tornei-me para eles objeto de opróbrio; quando me vêem, meneiam a cabeça.
Salmo 109, 23-25


Catarina de Siena

Catarina de Siena, nasceu Catarina Benincasa em 25 de Março de 1347 em Siena, na Itália, filha de um tinturador de roupas e neta de um poeta local. Catarina nasceu em meio à epidemia de peste negra, que assolou sua região. Sua mãe estava na casa dos 40 anos quando deu à luz prematuramente às gêmeas Catarina e Giovanna. Giovanna foi cuidada por uma ama-de-leite e morreu cedo, enquanto que Catarina foi amamentada por sua própria mãe e desenvolveu-se em uma criança saudável. Sua mãe já tinha tido 22 filhos quando Catarina nasceu, mas metade destes havia morrido. Após dois anos, sua mãe deu à luz a seu 25º filho, outra menina que se chamaria Giovanna, como a bebê falecida.
Catarina relatava ter tido sua primeira visão de Cristo aos cinco ou seis anos de idade. Aos sete anos de idade ela jurou castidade, um voto comum entre meninas da época, que geralmente era abandonado quando atingiam a puberdade. Naquela época uma menina encontrava-se pronta para o matrimônio aos 12 anos de idade, passando a usar maquiagem e encaracolar e aloirar o cabelo. Catarina, entretanto, não se interessou por qualquer destes aspectos, acreditando que estes ofendiam a Deus. Como era muito próxima de sua irmã mais velha Bonaventura, a família solicitou que ela aconselhasse Catarina, que conseguiu convencê-la de que vestir-se no seu melhor e cuidar-se não ofendiam a Deus. Por anos Bonaventura manteve sua influência sob Catarina.
Entretanto, Bonaventura morreu durante o parto. Catarina sofreu muito com sua morte e passou a acreditar que sua irmã morrera como conseqüência dos prazeres terrestres que Catarina tanto queria evitar. Ela acreditava que fora fraca ao ceder às vontades da irmã para se vestir melhor e como conseqüência, Deus havia mostrado sua fúria ao levar para junto de si sua irmã mais amada. Em menos de um ano Giovanna também morreu. Ainda a se recuperar do luto e culpa das duas mortes, Catarina viu-se presa aos desejos dos pais que queriam que ela se casasse aos 16 anos com o viúvo de Bonaventura.
Completamente contrária aos desejos de seus pais, Catarina passou a jejuar de forma intensa, um ato que aprendeu com Bonaventura, cujo marido não era nada agradável: todas as vezes que ele a maltratava, Bonaventura recusava-se a comer até que sua atitude melhorasse. Aparentemente tal fato ensinou a Catarina o poder que o jejum pode ter nos relacionamentos. Ela cortou o longo cabelo, para desespero de seus pais e irmãos, que passaram a ameaçá-la de violência se não melhorasse seu comportamento. Para lidar com a hostilidade em casa, Catarina passou a ver seu pai como Cristo, sua mãe como a Virgem Maria e seus irmãos como Apóstolos, servindo-os humildemente no que considerava uma oportunidade para crescimento espiritual.
Eventualmente seu pai desistiu de tentar mudá-la e permitiu que vivesse como quisesse. Ela passou a vestir até a morte uma camiseta/camisola de correntes que fería-lhe a carne, dormir em um banco de madeira com uma pedra por travesseiro/almofada e a martirizar-se três vezes ao dia por uma hora com uma corrente de aço: uma vez por seus pecados, uma pelos pecados dos vivos e uma pelos dos mortos.
Sua mãe desesperava à vista de sua filha emaciada e torturada e muitas vezes Catarina ficava deprimida, chorosa, dizendo-se atormentada por espíritos malignos. Após uma visão de São Domingos de Gusmão, ela decidiu aderir à ordem dos Dominicanos, contrariando os desejos da família. Sua mãe levou-a as águas termais de Bagno Vignoni para que sua saúde melhorasse e para que se esquecesse da ordem. Ao invés de relaxar nas águas mornas, Catarina procurava os locais mais quentes das termas para se queimar. Ela ficou gravemente doente, com uma erupção cutânea, febre e dores, o que convenientemente fez com que sua mãe aceitasse sua decisão. Dias após Catarina recuperou-se completamente para vestir o branco e negro do hábito das freiras.
Ao invés de viver no convento, sua família mudou-se para os arredores do mesmo e continuou ao viver com ela. Catarina, entretanto, custava-lhes muito caro: com seu hábito de doar comida e roupas sem pedir-lhes permissão, sua generosidade custou muito à família. Ela negava-se a comer com os familiares e recusava a comida, referindo que havia outra mesa posta para ela, no Céu, com sua família verdadeira.
Catarina dedicou grande parte de sua vida a ajudar os doentes e os desprovidos, cuidando deles em hospitais ou em suas casas. Devido à sua caridade, ela ajuntou um grupo de seguidores que viajou com ela por toda a Itália central e norte, advocando por uma reforma do clero e por uma nova cruzada, pedindo ao povo que se arrependesse dos pecados e se renovasse através do "amor total de Deus".
Em 1378, aos 31 anos, Catarina mudou-se para Roma onde trabalhou junto ao papa Urbano VI, onde viveu até sua morte em 1380 aos 33 anos. Dado que Jesus aparentemente morreu com a mesma idade e que Maria Madalena, ídolo de Catarina, aparentemente jejuou por 33 anos, há indícios de que sua morte tenha sido um suicídio passivo por desnutrição.
Com o passar dos anos, Catarina comia menos, dizendo não encontrar nutrição na comida terrena. Ao invés de comer, ela recebia a Comunhão todos os dias. Mesmo seu confessor e as freiras acreditavam que sua dieta não era saudável e temiam um escândalo, ordenando que Catarina se alimentasse apropriadamente. Catarina, entretanto, dizia-se incapaz de comer, descrevendo sua inabilidade como uma doença. Ela vomitava tudo o que engolia e sofria de dores de estômago. Quando forçada a alimentar-se, Catarina introduzia galhos na garganta para provocar vômitos. Ela preferia servir comida aos pobres, muitas vezes há horas peculiares, e buscava "nutrição" neste contato. Muitas vezes ela sugava o pus da ferida dos doentes. Após estes episódios, sua saúde deteriorou-se e sua dieta consistia apenas de Hóstias Sagradas e pus. Conforme Catarina adoecia, seu confessor e biógrafo desistiu de suas tentativas de fazê-la comer, assim como sua família havia desistido dela anteriormente. Uma crise que se abatia sobre a Igreja fez com que Catarina parasse também de beber água em Janeiro de 1380, de forma a atrair atenção à sua mensagem de unidade. Como não houve resultado, ela parou o jejum extremo, mas já era tarde para assegurar sua sobrevivência.
Após diversos milagres, o Papa Pio II canonizou Catarina em 1461.
Anorexia mirabilis
Segundo pesquisadores e estudiosos, Catarina de Siena sofria de Anorexia mirabilis, que significa "falta de apetite milagroso”. Esta condição parece referir-se quase que exclusivamente a mulheres e adolescentes da Idade Média que jejuavam, muitas vezes até a morte, em nome de Deus. O fenômeno também é conhecido como inedia prodigiosa (jejum progidioso).
A anorexia mirabilis parece diferir da anorexia nervosa de diversas formas: na anorexia nervosa, o paciente geralmente faz dietas para obter um nível de magreza, já que a doença é associada à imagem corporal distorcida. Já na anorexia mirabilis, a dieta é freqüentemente associada com outras práticas ascéticas (renúncia de prazer) como a virgindade, comportamento autoflagelante, dormir em camas de espinhos e outros tipos de automutilações. Vale lembrar que até recentemente, um corpo mais cheinho era visto como um claro sinal de afluência e boa colocação social enquanto que um corpo emaciado era um claro sinal de pobreza ou doença. Apenas na época Vitoriana as mulheres passaram a fazer dietas drásticas na busca pela beleza exterior. Até então, a dieta rígida era associada a engrandecimento espiritual.
Muitas mulheres notoriamente recusavam qualquer alimento que não a Eucaristia, demonstrando não apenas sua devoção a Deus e Jesus, mas também a separação entre o corpo e o espírito. Que o corpo pudesse existir por extensos períodos sem alimento dava às pessoas da época uma clara imagem de quão mais forte, e, portanto mais importante, o espírito era. Não importava, na opinião popular, que os períodos de jejuns femininos fossem impossivelmente longos (de meses a anos). Eles simplesmente adicionavam significado especial a esta conquista feminina.
A prática da anorexia mirabilis reduziu-se bruscamente durante a Renascença, quando passou a ser vista pela igreja como herética, socialmente perigosa e possivelmente inspirada pelo demônio. A prática sobreviveu até o final do século 19, quando parece ter sido substituída pelo transtorno alimentar mais popular nos dias de hoje, a anorexia nervosa.O corpo feminino, sexualidade e misticismo na Idade Média.
Reda e Sacco escreveram uma análise da anorexia sagrada tendo Catarina de Siena como figura principal do artigo. No texto, eles dissecam a anorexia mirabilis da Santa contextualizando-a no período medieval em diferentes dimensões que resumo a seguir:
O corpo feminino na Idade Média
Naquela época, o controle, renúncia e tortura do corpo físico eram entendidos não apenas como rejeição do físico, mas aceitação do divino
O corpo feminino como expressão da sexualidade
O corpo curvilíneo de uma mulher era visto como produto da própria mulher, enquanto que o corpo masculino era uma criação divina. De certa forma esta visão ecoa na sub-expressão da sexualidade de anoréxicas modernas, que buscam uma sexualidade infantil na redução dos caracteres sexuais secundários.
Manifestações físicas como afirmação de regras Místico-Religiosas
A anorexia e outras manifestações corpóreas davam à mulher medieval uma oportunidade única de afirmar seu poder sobre as regras místico-religiosas. Se uma mulher estivesse destinada a um casamento não desejado, a religiosidade extrema poderia libertá-la desta condição. Uma renúncia completa do corpo tornava possível que uma mulher alimentasse, expressasse e experimentasse suas sensações e desejos como manifestações de fé e expressão religiosa.
A influência da religiosidade no mundo atual
Huline-Dickens (2000), em seu artigo descreve como a herança judaico-cristã implicitamente operativa nas sociedades ocidentais influencia a vida moderna com seus símbolos religiosos e conceitos de gênero que reforçam os papeis sexuais tradicionais. Visões negativas da feminilidade são inevitáveis quando as mulheres são consideradas a causa do pecado e do mal e existem estudos que demonstram que auto-agressão passiva, autopunição, frustração e raiva podem estar associadas a tais valores com conseqüências como depressão, agorafobia e transtornos alimentares sendo mais observados em mulheres.

Ainda de acordo com as escrituras, o pecado foi introduzido no mundo pelo ato de comer. A este se seguiu a desobediência da primeira filha, Eva. Como a cobiça causou o pecado, abstinência do alimento pode ser visto tanto como penitência como um meio para redenção do pecador e para se conectar com um pai distante. Cobiça, na forma de gula, é um dos sete pecados capitais na teologia Católica. Sentimentos de culpa com relação ao pecado de comer são muitas vezes expiados com a mortificação da carne (seja por punições ativas ou pelo emagrecimento progressivo).
Conclusão
Ainda hoje existem debates se a anorexia mirabilis é um diagnóstico válido dentro do contexto dos modernos transtornos físicos e psicológicos. Muitos acreditam que a motivação religiosa e ascética exemplificada neste texto por Catarina de Siena nega a ela a classificação atual de anorexia e as restrições dietárias auto-impostas ocorridas na época eram um fenômeno completamente diferente do que testemunhamos hoje. Além disso, é de se argumentar que a anorexia nervosa apenas surgiu na idade moderna e é definida dentro de certos valores culturais (como sociedades ocidentais).
Por outro lado, pode-se debater que os motivos que levam a um quadro de anorexia nervosa variam mesmo nos dias de hoje e são os sintomas físicos (emagrecimento, amenorréia, etc.) e psicológicos que provêm o denominador comum aos diversos casos. Embora geralmente associada à crença de estar acima do peso, uma imagem corporal distorcida pode levar ao medo de ser uma glutona e à crença de que ceder à fome pode ser um sinal de fraqueza ou até mesmo pecado.
Para a anoréxica a perda de peso significa autodisciplina e conquista, enquanto que o ganho de peso simboliza falha e falta de autocontrole. A doença é geralmente associada a certas tendências societais e é mais prevalente em sociedades nas quais o alimento é abundante e facilmente disponível. Na época de Catarina de Siena, porém, a Fome espalhava-se pela Europa e os monastérios eram os maiores provedores de alimento para as comunidades. Entretanto é válido observar que não apenas Catarina, mas as vastas maiorias das mulheres rotuladas anoréxicas mirabilis na época vinham de famílias com boas condições financeiras, nas quais o alimento provavelmente era facilmente encontrado. Além disso, a anorexia parece ocorrer mais em culturas nas quais a magreza é concebida como atrativa. Embora tal argumento soe como um fenômeno moderno, no auge do período monástico o ascetismo era um ponto central da prática religiosa devota e assim a magreza representava o oposto da gula e poderia ser um status altamente desejável.

ReferênciasFeuerbacher H. (2006). Saintly Sickness: Catherine of Siena as a Prototype of Holy Anorexia. Huline-Dickens, S. (2000). Anorexia nervosa: Some connections with the religious attitude British Journal of Medical Psychology, 73 (1), 67-76 DOI: 10.1348/000711200160309Rampling, D. (1985). Ascetic ideals and anorexia nervosa Journal of Psychiatric Research, 19 (2-3), 89-94 DOI: 10.1016/0022-3956(85)90003-2Reda M., Sacco G. (2001). Anorexia and the holiness of Saint Catherine of Siena. Journal of Criminal Justice and Popular Culture, 8(1) (2001) 37-47.Wikipedia, Catherine of Siena. Wikipedia, Anorexia mirabilisFotos: http://todustyoushallreturn.files.wordpress.com/2009/04/st-catherine-of-siena-circa_1746_by_giovanni_battista_tiepolo.jpg

A História de Santa Catarina de Siena
Santa Catarina de Siena nasceu em Siena no dia 25 de março de 1347 e começou a ter experiências místicas aos seis anos vendo anjos da guarda, claramente com as pessoas as quais eles protegiam. Tornou-se uma Dominicana quando tinha 16 anos e ainda continuou a ter visões de Cristo, Maria e dos santos. Santa Catarina foi uma das mais brilhantes mentes teológicas do seu tempo, não tendo, entretanto qualquer educação formal. Trabalhou com êxito como moderadora entre a Santa Sé e Florença e persuadiu o Papa a voltar para Roma de Avignon. Finalmente conseguiu a conciliação no reinado do Papa Urbano VI. Mas tarde Santa Catarina se estabeleceu em Roma, onde lutou infatigavelmente com orações, exortações e cartas para ganhar novos partidários para o Papa legítimo.

Ela teve visões de Jesus, Maria, São João, São Paulo e São Domingos, o fundador da Ordem dos Dominicanos. Com a idade de 26 anos, ela começou a sentir as dores de Cristo, em seu corpo. Dois anos mais tarde, em 1375, durante uma visita a Pisa, ela recebeu a Comunhão na pequena igreja de Santa Christina. Quando ela meditava e agradecia orando ao crucifixo, raios de luz furaram suas mãos, pés e o lado e todos puderam ver os estigmas de Cristo nela. Por causa de tanta dor ela não falava nem comia. Assim ficou por oito anos sem comer líquidos ou qualquer outra coisa que não fosse a Sagrada Comunhão (Inédia).
Ela orava para que as marcas não fossem muito visíveis, e elas ficaram pouco visíveis, mas após sua morte os estigmas ficaram bem visíveis em seu corpo incorrupto, como uma transparência na pele, no local das chagas de Cristo. Às vezes quando orava ela levitava. Na "Vida de Santa Catarina" a Madre Francisca Raphaela relata que a santa era imune ao fogo. Ela conta que certa vez Catarina caiu em um fogo na cozinha e apesar do fogo ser grande quando foi retirada dele por outros membros presentes, nem ela, nem suas roupas estavam sequer chamuscadas.

Das cartas de Santa Catarina de Siena há uma trilogia chamada "O Diálogo" que é considerado o mais brilhante escrito da história da Igreja Católica. Morreu jovem, aos 33 em anos de idade de derrame, em 29 de abril de 1380, mas seu corpo foi encontrado incorrupto e conservado em 1430.
O corpo de Santa Catarina de Siena ficou exposto durante três dias, antes de ser enterrado no cemitério adjunto à igreja de “Santa Maria sopra Minerva”. Lá água alcança abundantemente e corrompe rapidamente todos os cadáveres. Menos o de santa Catarina. O confessor da santa, hoje beato Raymond de Cápua, quis que os “ossos” da santa fossem trasladados com honras a um relicário na capela do Rosário, na mesma igreja. E encontraram o corpo perfeitamente incorrupto. As roupas estavam completamente estragadas desfiando-se com só toca-las. Logicamente o corpo estava todo coberto de barro, mas uma vez lavado apareceu absolutamente perfeito, branco, belo. Em 1430, isto é, 50 anos após a morte, ao ser trasladado o corpo de Santa Catarina de Siena à Basílica que levaria seu nome, continuava completamente incorrupto.
Sua cabeça está em Siena, onde se mantém sua casa, e seu corpo está em Roma, na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva.

Foi canonizada em 1461 e declarada Doutora da Igreja em 1970. É co-padroeira do Continente Europeu junto com Santa Edith Stein e Santa Brígida da Suécia, e padroeira da Itália junto com São Francisco de Assis. Ela é padroeira dos Consultores. Sua festa é celebrada no dia 29 de abril.