Wolfgang Amadeus Mozart

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Wolfgang Amadeus Mozart

Wolfgang Amadeus Mozart, batizado Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart; Salzburgo, 27 de janeiro de 1756Viena, 5 de dezembro de 1791) foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Retrato inacabado de Mozart, 1782, por Joseph Lange

Mozart mostrou uma habilidade musical prodigiosa desde sua infância. Já competente nos instrumentos de teclado e no violino, começou a compor aos cinco anos de idade, e passou a se apresentar para a realeza da Europa, maravilhando a todos com seu talento precoce. Chegando à adolescência foi contratado como músico da corte em Salzburgo, porém as limitações da vida musical na cidade o impeliram a buscar um novo cargo em outras cortes, mas sem sucesso. Ao visitar Viena em 1781 com seu patrão, desentendeu-se com ele e solicitou demissão, optando por ficar na capital, onde, ao longo do resto de sua vida, conquistou fama, porém pouca estabilidade financeira. Seus últimos anos viram surgir algumas de suas sinfonias, concertos e óperas mais conhecidos, além de seu Requiem. As circunstâncias de sua morte prematura deram origem a diversas lendas. Deixou uma esposa, Constanze, e dois filhos.
Foi autor de mais de seiscentas
obras, muitas delas referenciais na música sinfônica, concertante, operística, coral, pianística e de câmara. Sua produção foi louvada por todos os críticos de sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e difícil, e estendeu sua influência sobre vários outros compositores ao longo de todo o século XIX e início do século XX. Hoje Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores do ocidente, conseguiu conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua imagem se tornou um ícone popular.

Família e primeiros anos
Mozart nasceu em Salzburgo em 27 de janeiro de 1756, sendo
batizado no dia seguinte na catedral local. O nome completo que recebeu foi Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, e teve como padrinho Joannes Theophilus Pergmayr. Mais tarde Mozart preferiu ter seu nome Theophilus chamado em suas versões francesa ou germânica, respectivamente Amadé e Gottlieb, mais raramente a forma latina, Amadeus. Que em grego significa amigo de Deus, tinha, em sua forma latina, um som mais agradável: Amadeus. Algumas vezes assinava com a forma francesa Amadè. Os primeiros dois nomes só foram usados em suas primeiras publicações, e adotou a forma germânica Wolfgang em vez da latina Wolfgangus. Foi o sétimo e último filho de Leopold Mozart e Anna Maria Pertl. De todas as crianças somente ele e uma irmã, Maria Anna, apelidada Nannerl, sobreviveram à infância. A família do pai era oriunda da região de Augsburgo, tendo o sobrenome sido registrado desde o século XIV, aparecendo em diversas formas diferentes - Mozarth, Motzhart, Mozhard ou Mozer. Muitos de seus membros se dedicaram à cantaria e construção, e alguns foram artistas. A família da mãe era da região de Salzburgo, composta em geral por burgueses da classe média.
Assim que o talento de Mozart foi reconhecido, isso em seus primeiros anos de vida, o pai, músico experiente e violinista afamado, abandonou suas pretensões pedagógicas e compositivas para dedicar-se à educação do filho e de sua irmã Nannerl, que também cedo manifestou extraordinários dotes musicais, demonstrando porém clara preferência por Wolfgang e considerando-o um milagre divino. Parece certo que boa parte do profissionalismo que Wolfgang veio a exibir em sua maturidade se deveu à rigorosa disciplina imposta pelo seu pai. O seu aprendizado musical começou com a idade de quatro anos. Leopold havia compilado em 1759 um volume de composições elementares para o aprendizado de sua filha, que também serviu como manual didático para o irmão. Neste volume Leopold anotou as primeiras composições de Mozart, datadas de 1761, um Andante e um Allegro para teclado, mas é impossível determinar até que ponto são obras integrais de Mozart ou se trazem contribuição paterna.

Primeiras viagens
Logo as crianças estavam aptas para se apresentar publicamente, e no mesmo ano de 1761 Mozart fez sua primeira aparição como
menino-prodígio, em uma récita de obras de Johann Eberlin na Universidade de Salzburgo. Em seguida iniciou-se um período de cerca de vinte anos em que fez extensas viagens pela Europa, organizadas privadamente por Leopold com os objetivos declarados de consagrar seus filhos como gênios precoces e obter ganhos financeiros. Entre os inúmeros concertos que davam, os testes a que eram submetidos, os contatos profissionais e visitas de cortesia que se viam obrigados a fazer, e a frequente audição de apresentações de músicas alheias para a instrução das crianças, paralelamente à continuidade de seus estudos em música e na instrução elementar, o cronograma dessas viagens foi sempre exaustivo, e às vezes cobrou caro da sua saúde.
A primeira viagem, em 1762, foi para
Munique, onde tocaram diante do Eleitor da Baviera. No fim do ano iniciaram outra, que durou até janeiro de 1763, indo para Viena e outras cidades, tocando para vários nobres e duas vezes para a imperatriz Maria Teresa e seu consorte. Segundo registros de personalidades que os assistiram, e do próprio Leopold, que era um prolífico epistolário e mantinha diários de viagem, Mozart já tocava "maravilhosamente", sendo uma criança "animada, espirituosa e cheia de charme". Pouco depois de seu retorno a casa Mozart adoeceu, aparentemente de febre reumática, mas logo se recuperou, tanto que em fevereiro de 1763 tocou violino e cravo pela primeira vez na corte de Salzburgo. Uma nota divulgada em um jornal local declara que Mozart já era capaz de tocar como um adulto, improvisar em vários estilos, acompanhar à primeira vista, tocar teclado com um pano a cobrir as teclas, acrescentar um baixo a um tema dado e identificar qualquer nota que fosse tocada. Relatos de amigos registram que com esta tenra idade, ainda que sua jovialidade infantil permanecesse manifesta, seu espírito já se compenetrara na música, e só se dispunha a tocar diante de um público que levava a música a sério, evidenciando orgulhar-se de suas capacidades. Do mesmo ano data sua primeira tentativa registrada de escrever um concerto, e a despeito de sua caligrafia ser um garrancho, sua música foi considerada por Leopold como composta correta e adequadamente.
Ainda em 1763, em junho, iniciaram outra viagem, que durou até 1766 e desta vez os levou à
Alemanha, França, Inglaterra, Países Baixos e Suíça, passando por vários centros musicais importantes no caminho. Agora dispunham de uma carruagem própria e foram acompanhados por um criado. Mozart costumava tocar órgão nas igrejas das cidades onde pernoitavam, e a família aproveitava o tempo livre para diversos passeios. Em Ludwigsburgo se encontraram com o violinista Pietro Nardini e o compositor Niccolò Jommelli; chegando em Bruxelas, esperaram cinco semanas antes que o governador os recebesse para uma audição. Chegaram em Paris em 18 de novembro e ali permaneceram por cinco meses, salvo duas semanas em Versalhes, quando se exibiram diante de Luís XV, e com toda a probabilidade fizeram outras apresentações privadas. Deram dois concertos públicos, entraram em contato com músicos locais e com um influente literato e crítico musical, o Barão von Grimm. Em Paris Leopold publicou as primeiras obras impressas de Mozart, dois pares de sonatas para cravo e violino. Em abril do ano seguinte partiram para Londres, onde ficaram por quinze meses. Logo após a chegada foram recebidos por Jorge III, que deu ao menino alguns testes difíceis ao cravo, e o ouviu em duas outras ocasiões. Deram concertos públicos e privados e Leopold convidou os especialistas para testarem Mozart de várias maneiras, mas os anúncios sensacionalistas publicados diminuíam a idade de Mozart em um ano, e as apresentações às vezes tiveram um caráter quase circense. O filósofo Daines Barrington o examinou e apresentou um relatório com suas conclusões à Royal Society, declarando sua proficiência em improvisos e na composição de canções em estilo operístico. Possivelmente em Londres Mozart compôs e apresentou suas primeiras sinfonias, pode ter entrado em contato com a música de Händel, que ainda era popular, e ali conheceu Johann Christian Bach, com quem iniciou longa amizade e de quem recebeu influência musical. Em 1 de agosto de 1765 embarcaram novamente para França, mas ao chegarem em Lille o menino adoeceu, ficando acamado por um mês. A viagem prosseguiu então para os Países Baixos, e em Haia Mozart novamente caiu doente, desta vez acometido, junto com Nannerl, de um grave episódio de febre tifóide que durou dois meses. Depois passaram por várias cidades e neste período Mozart compôs variações para cravo sobre canções holandesas e seis sonatas para violino e cravo. Em seguida retornaram para Paris, onde o Barão von Grimm os ouviu novamente e ficou admirado com os progressos do menino. Suas sinfonias foram apresentadas com boa receptividade e ele passou com brilhantismo nos mais difíceis testes que lhe foram dados, deixando seu público atônito. De Paris seguiram para o sul da França, antes de se dirigirem para a Suíça e Alemanha, e, por fim, rumaram para Salzburgo trazendo consigo um apreciável resultado financeiro. Por algumas sonatas dedicadas à Rainha da Inglaterra Mozart recebera a soma de cinquenta guinéus, o equivalente a cerca de dez mil dólares atuais, o que dá uma idéia da lucratividade das excursões, sem falar nos preciosos presentes que ganhava, como anéis de ouro, relógios e caixas de rapé.
Os meses seguintes foram passados em sua cidade natal, envolvendo-se em estudos de
latim, italiano e aritmética, provavelmente ministrados por seu pai, bem como escreveu suas primeiras obras vocais para o palco, incluindo um trecho de um oratório coletivo, a comédia Apollo et Hyacinthus e um trecho de uma Paixão de Cristo. Esta última possivelmente foi a peça que ele teve de escrever fechado em uma sala sozinho para provar ao príncipe-arcebispo que era ele mesmo quem escrevia suas composições. Também fez alguns arranjos de sonatas de outros autores na forma de concertos. Em setembro de 1767 a família partiu para uma nova viagem, permanecendo em Viena por seis semanas. Uma epidemia de varíola na cidade os levou a se mudarem para Brno e depois para Olmütz, mas as duas crianças foram colhidas pela doença, de forma suave, que deixou marcas indeléveis no rosto de Mozart. Voltando a Viena, foram ouvidos pela corte e fizeram planos para a apresentação de uma ópera, La finta semplice, mas a composição não chegou a ser apresentada, para a indignação de Leopold. Por outro lado, um pequeno singspiel, Bastien und Bastienne, foi ouvido na mansão de Franz Mesmer e uma missa solene que escrevera foi apresentada na consagração da Weisenhauskirche, regida pelo próprio compositor.

Viagens à Itália
Em 5 de janeiro de 1769 estavam de volta em Salzburgo, onde permaneceram por cerca de um ano. Mozart escreveu diversas novas peças, incluindo um grupo de importantes
serenatas orquestrais, várias peças sacras menores e diversas danças, e foi indicado Konzertmeister honorário da corte em 27 de outubro. Em 13 de dezembro, sem a irmã e a mãe, somente pai e filho se dirigiram para a Itália. Seguindo o seu padrão habitual, a viagem foi pontilhada de paradas em qualquer lugar onde o menino pudesse ser ouvido e pudesse ser recompensado com bons presentes. Em Verona foi testado pelos membros da Academia Filarmônica, o que se repetiu em Mântua. Em Milão receberam a proteção do poderoso Conde von Firmian, ministro plenipotenciário da Áustria na Itália, e conheceram músicos como Giovanni Battista Sammartini e Niccolò Piccinni. Pernoitando em Lodi, ali Mozart completou seu primeiro quarteto de cordas. Em Bolonha visitaram o famoso teórico Padre Martini, que testou Mozart, e encontraram o castrato Farinelli. Em Florença Mozart fez uma amizade imediata e intensa com o jovem compositor inglês Thomas Linley, e dali seguiram para Roma, onde foram recebidos pelo papa e Mozart foi agraciado com a Ordem da Espora de Ouro, no grau de cavaleiro, uma extraordinária deferência para um músico em seu tempo. Na Capela Sistina ouviram o famoso Miserere de Gregorio Allegri, uma obra guardada ciosamente pelo coro da Capela como sua propriedade exclusiva, mas Mozart transcreveu-a na íntegra e de cor após a audição. Voltando a Bolonha, foi testado pela Academia Filarmônica local, sendo admitido como membro. Em Milão outra vez, Mozart iniciou a composição de uma ópera, Mitridate, re di Ponto, apresentada no verão com uma recepção entusiasmada e permanecendo em cartaz por vinte e duas noites. As três primeiras foram regidas pelo autor. Passando por várias outras cidades, dando diversos outros concertos e fazendo relações com personalidades políticas e musicais importantes, retornaram a Salzburgo em 28 de março de 1771.
Mas pouco ficaram em casa; antes mesmo de saírem da Itália haviam acertado sua volta, firmando um contrato para a apresentação de uma serenata teatral,
Ascanio in Alba, a ser dada em Milão no casamento do arquiduque Ferdinando, e um oratório, La Betulia liberata, para Pádua. Em agosto de 1771 estava de volta a Milão, onde o Ascanio foi apresentando com imenso sucesso, ofuscando uma ópera de Hasse, um celebrado compositor mais velho, ouvida nos mesmos festejos. De uma carta do arquiduque enviada à sua mãe se deduz que cogitara dar um cargo a Mozart em sua corte, mas na resposta a imperatriz o aconselhou a não se sobrecarregar com "aquelas pessoas inúteis", cujo hábito de "perambularem pelo mundo como mendigos degradaria seu serviço". De volta a Salzburgo em 15 de dezembro, ali passaram os meses seguintes.
Logo após sua chegada o patrão de Leopold faleceu.
Sigismund von Schrattenbach havia sido muito tolerante para com as repetidas e longas ausências de Leopold, embora às vezes suspendesse o pagamento de seu salário. Os ricos presentes que Mozart recebia em suas viagens, contudo, eram uma significativa compensação. Em 14 de março de 1772 ascendeu ao principado-arcebispado Hieronymus von Colloredo, cuja atitude para com seu empregado foi bem mais rígida. Esses meses foram férteis para Mozart, compondo uma nova serenata teatral, oito sinfonias, quatro divertimentos e algumas obras sacras de vulto. Em 9 de julho foi admitido formalmente como violinista na corte de Salzburgo, com um salário de 150 florins, cargo que ocupou a título honorário por três anos. Em 24 de julho os Mozart partiram para a terceira e última viagem para a Itália, apresentando a ópera Lucio Silla em Milão, cuja apresentação não foi inteiramente bem sucedida por causa de um elenco desigual, bem como outras composições. Leopold desejava conseguir um emprego para o filho fora de Salzburgo; solicitou um cargo para o Grão-duque da Toscana, mas o pedido deu em nada, e em 13 de março de 1773 estavam em casa.

Outras viagens
Os rendimentos da família nesta época eram suficientes para se mudarem para uma casa maior, mas Leopold não estava satisfeito nem com sua posição relativamente subalterna na capela da corte, nem com as escassas perspectivas de progresso profissional do filho na sua cidade nativa. Provavelmente foram estas as causas que os levaram a Viena poucos meses depois, na tentativa de obter uma posição na corte imperial. Este objetivo não foi alcançado, mas a música de Mozart se beneficiou com o contato com obras de compositores da vanguarda vienense, evidenciando sensível avanço. Em meados de 1774 apresentou uma ópera em Munique,
La finta giardiniera, e compôs suas primeiras sonatas para teclado. De volta em março de 1775, iniciou-se para Mozart um período de crescente frustração com as condições limitadas da vida musical local e com a pouca tolerância de seu patrão para com afastamentos prolongados. Não parou entretanto de compor, surgindo uma multiplicidade de novas obras em vários gêneros, incluindo concertos para teclado, divertimentos, serenatas, sonatas e obras sacras. Em agosto de 1777 Mozart encaminhou seu pedido de demissão, e a insatisfação do príncipe com o serviço irregular dos Mozart se refletiu na demissão no mesmo ato também de Leopold. Este não podia se dar ao luxo de prescindir de seu cargo, e foi readmitido.
Para se manter Mozart retomou as viagens, e em 23 de setembro, já sem a companhia do pai, seguiu com a mãe em um périplo pela Alemanha e França, dando concertos e solicitando emprego em várias cortes, mas sem êxito. Em Augsburgo visitaram parentes e Mozart estabeleceu uma relação afetuosa com sua prima Maria Anna Thekla, apelidada de Bäsle, com quem manteve depois contato por correspondência. Em
Mannheim ficou amigo de vários músicos da importante orquestra local e apaixonou-se pela cantora Aloysia Weber, pretendendo levá-la para a Itália e torná-la uma diva. Envolvido nesta relação, adiara várias vezes sua ida a Paris, mas o romance não frutificou. Mantinha assíduo contato por carta com seu pai, e nessa troca de correspondência se verifica uma progressiva irritação e preocupação de Leopold com a falta de objetividade do filho, sua irresponsabilidade com o dinheiro e sua tendência a procrastinar decisões. Ficava evidente para Leopold que seu filho era incapaz de se arranjar sozinho, e enchia suas cartas com uma infinidade de recomendações sobre como ele deveria agir, quem procurar, como bajular os poderosos, como administrar o dinheiro e muitas outras coisas. Apesar de apresentar várias obras com sucesso, a estadia em Paris não foi agradável. Mozart se queixava da falta de gosto dos franceses, suspeitava de intrigas contra ele, sua antiga amizade com Grimm se deteriorou e recusou a única oferta de emprego estável que recebeu em toda a viagem, o cargo de organista em Versalhes. Para piorar a situação, sua mãe caiu doente e veio a falecer em 3 de julho de 1778. Passada a crise, recebeu de seu pai uma carta notificando que Colloredo havia mudado de idéia e estava disposto a readmiti-lo com um salário maior e com licença para viajar. Partiu de Paris em 26 de setembro mas decidiu fazer o trajeto de volta pela Alemanha, atrasando sua chegada em Salzburgo, para exasperação de seu pai, que temia que o atraso comprometesse sua readmissão na corte. Só chegou em casa em meados de janeiro do ano seguinte, com seus planos de independência desfeitos, as finanças em estado precário e as relações com seu pai estremecidas.
Enviou então um pedido formal de readmissão no serviço da corte e foi empregado como organista, com um salário de 450 florins. O contrato o obrigava também a compor o que lhe fosse pedido e dar aulas aos meninos do coro. Os dois anos seguintes transcorreram sem grandes eventos, mas escreveu diversas novas obras, incluindo sinfonias, missas e concertos importantes, onde aparece a influência dos estilos internacionais que conhecera, e continuou interessado em música dramática. Em 1780 recebeu a encomenda para uma ópera a ser levada em Munique, o que resultou no
Idomeneo, a primeira de suas grandes óperas, retratando o drama e o heroísmo com força e profundidade sem precedentes em sua produção, permanecendo nesses aspectos como uma das mais notáveis em toda a sua carreira.

Viena
Em março de 1781 seu patrão viajou para Viena para assistir à coroação de
José II, e Mozart o acompanhou. O status de seu cargo na corte era pouco elevado, e a sua correspondência deste período revela mais uma vez crescente insatisfação, e ao mesmo tempo o mostra entusiasmado com a perspectiva de fazer uma carreira na capital imperial. Em uma noite foi dada uma festa para o novo imperador, mas Colloredo impediu que ele tocasse, o que lhe teria valido uma gratificação equivalente a metade de seu salário anual em Salzburgo. A tensão entre ambos aumentou e a crise inevitável eclodiu em 9 de março, quando em uma tempestuosa audiência com seu patrão pediu outra vez a dispensa de suas funções. No momento Colloredo recusou, mas logo depois foi aceita. Mudou-se então para os apartamentos de seus amigos, os Weber, por cuja filha Aloysia ele se apaixonara em Mannheim. Mozart então começou um envolvimento afetivo com outra das filhas dos Weber, Constanze. Em cartas para seu pai, de início refutou os rumores sobre o romance, mas para evitar uma situação constrangedora mudou-se para outra casa. Entrementes ganhava a vida dando aulas e concertos privados, e continuou a compor. Em dezembro apresentou-se na corte em uma competição com Muzio Clementi, saindo vencedor, mas suas esperanças de obter um emprego oficial não se concretizaram.
Sua relação com Constanze se aprofundou, e embora continuasse negando-a para seu pai, finalmente em 15 de dezembro de 1781 declarou sua intenção de casar-se. Logo depois da estréia de sua nova ópera
O Rapto do Serralho, que foi um grande sucesso, pressionado pela mãe de Constanze, apressou os preparativos do casamento e pediu a bênção paterna. Em 4 de agosto de 1782 casaram na Catedral de Santo Estêvão, mas só no dia seguinte chegou a carta do pai dando seu relutante consentimento. A figura de Constanze e seu papel na vida de Mozart têm sido objeto de muita polêmica, mas ao que tudo indica a união foi bastante feliz, ainda que ela não tivesse grandes capacidades de ajudar o seu desorganizado marido na administração de um lar. Poucas semanas depois do casamento eles já foram obrigados a pedir um empréstimo. Constanze logo engravidou e seu primeiro filho, Raimund Leopold, nasceu em 17 de julho de 1783, mas poucos dias depois do nascimento foi deixado aos cuidados de amigos para que o casal pudesse viajar a Salzburgo e visitar Leopold. Pelo que se deduz de correspondência posterior a fria recepção de Leopold não tornou a visita especialmente amistosa.
Deixaram Salzburgo em 27 de outubro de 1783, mas enquanto ainda estavam lá o bebê falecera, em 19 de agosto, e não se sabe quando os pais tomaram conhecimento do ocorrido. Cartas de Mozart para Leopold no fim do ano revelam que a situação financeira do casal não era boa, surgindo várias dívidas, mas que fazia planos otimistas para a próxima temporada musical. Essa perspectiva se realizou, dando tantos concertos que pouco tempo tinha para compor, ao mesmo tempo em que dava aulas, a sua fonte de renda mais segura, e iniciou a publicação de várias obras impressas, que também lhe traziam algum lucro. Em setembro de 1784 nasceu seu segundo filho,
Carl Thomas, e em dezembro ingressou na Maçonaria, escrevendo música para rituais maçônicos.
No início de 1785 Leopold os visitou em Viena por alguns meses, e suas cartas descrevem a febril atividade do filho, envolvido em inúmeros concertos, o apartamento confortável em que moravam, as récitas da música de Mozart que assistiu, e testemunham que o prestígio de seu filho estava no auge. Notícias em jornais desse período falam de Mozart como "universalmente estimado", e dono de "merecida fama". Não obstante, os rendimentos de um músico independente eram tudo menos garantidos; logo as dificuldades voltaram e ele foi obrigado a recorrer a outros empréstimos. O projeto mais importante de 1785 foi a escrita da ópera
As Bodas de Fígaro, com libreto de Lorenzo da Ponte, sendo estreada em maio de 1786 com boa receptividade, logo se tornando uma peça do repertório regular de várias companhias teatrais. No outono de 1786 fez planos para ir à Inglaterra, mas Leopold o aconselhou a não ir e se recusou a tomar conta do menino Carl, e a idéia foi abandonada. Em 18 de outubro nasceu seu terceiro filho, Johann Thomas Leopold, que viveu só poucos dias.
Contudo, em 1787 aceitou um convite para ir a
Praga, onde o Fígaro havia sido um sucesso considerável e ele se tornara um compositor popular. Ali recebeu a encomenda de uma nova ópera para ser estreada na temporada seguinte, o que resultou no Don Giovanni. Entrementes, Leopold morreu em maio de 1787. Mozart renunciou à sua parte da herança em favor de Nannerl mas recuperou os seus manuscritos que estavam com o pai. Em maio mudou-se para um outro apartamento atrás da Catedral, bem mais modesto, e nos meses seguintes não há registro de aparições públicas de Mozart. Esteve doente por um breve período, mas continuou a dar aulas. É possível que tenha dado algumas lições para o jovem Beethoven em sua primeira e curta visita a Viena, e com certeza passou a ensinar Hummel, então com cerca de dez anos, que pode ter vivido algum tempo com eles. Também publicou diversas peças de câmara e canções, que eram de fácil venda. Voltou a Praga em outubro para a estréia de Don Giovanni, que teve uma recepção entusiástica. Em seu retorno a Viena em novembro finalmente lhe foi concedido o tão almejado emprego na corte, sendo indicado Músico de Câmara, com um salário de oitocentos florins e com a função simples de escrever música para os bailes da corte. Apesar do maior prestígio que um cargo oficial lhe trouxe e do alívio que a renda regular proporcionou, de modo algum resolveu todos os seus problemas. No fim do ano teve de mudar-se de novo, agora para os subúrbios, viu nascer em 27 de dezembro sua filha Theresia, que morreu em poucos meses, e iniciou no ano seguinte um período de repetidos apelos por socorro financeiro ao seu amigo Michael Puchberg. A correspondência trocada trai sua humilhação e um ânimo deprimido. Mesmo assim esse período foi criativamente muito fértil, aparecendo uma notável sucessão de obras de grande importância.

Últimos anos
No início de 1789 Mozart aceitou um convite para acompanhar o príncipe
Karl Lichnowsky à Alemanha, tocando em várias cidades no caminho. Seus pedidos de dinheiro continuavam e sua esposa estava novamente grávida. A filha, Anna, nasceu em novembro e viveu somente um dia. Escreveu nesse ano alguns quartetos e sonatas, mas se envolveu principalmente com uma nova ópera, Così fan tutte, a terceira em colaboração com Da Ponte. Foi bem recebida mas ficou pouco em cartaz, e o lucro resultante foi magro. Embora evidentemente pobres, os Mozart não estavam na miséria. Ele ainda recebia o salário da corte, dava aulas, alguns concertos traziam renda e ainda vendia peças. Suas necessidades básicas estavam supridas e podiam ainda dispor de um criado e uma carruagem. Suas cartas dessa época oscilam entre lamentos e visões esperançosas de futura prosperidade. Com a ascensão do novo imperador, Leopoldo II, esperava ser promovido, mas isso não aconteceu; solicitou o cargo de mestre de capela da catedral e conseguiu ser designado como substituto, mas sem salário. No início do verão de 1790 nasceu seu último filho, Franz Xaver Wolfgang, e Mozart passou a trabalhar com o empresário Emanuel Schikaneder, cuja companhia fazia sucesso, na composição de sua ópera em estilo singspiel, A Flauta Mágica. A reação do público foi inicialmente fria, mas logo se tornou popular. Neste ínterim recebeu a encomenda de duas outras composições de vulto, o Réquiem, de um solicitante que lhe exigiu sigilo sobre a composição e desejava permanecer anônimo (hoje se sabe que foi encomendado pelo conde Walsegg-Stuppach), e a sua última ópera, A Clemência de Tito, estreada em Praga com muito aplauso.
Em Praga caiu doente, e aparentemente não mais recobrou perfeita saúde. Relatos posteriores o mostram de volta a Viena engajado em um ritmo intenso de trabalho, envolvido com a finalização do Réquiem e assombrado com premonições da morte, mas muito dessa atmosfera pode ser lenda, e é difícil conciliar essas descrições com várias de suas cartas do período onde mostra um humor jovial. Em novembro de 1791 teve de recolher-se ao leito e receber atendimento médico. No início de dezembro sua saúde pareceu melhorar, e pôde cantar partes do Réquiem inacabado com alguns amigos. No dia 4 seu estado se agravou; seu médico foi chamado às pressas mas pouco pôde fazer. Em torno da uma da manhã de 5 de dezembro, expirou. A causa mortis foi diagnosticada como febre miliar aguda. Se formou um folclore sobre sua morte e foram propostos vários diagnósticos diferentes, surgindo inclusive versões falando de conspirações e assassinato, a partir de suspeitas do próprio Mozart de ter sido envenenado, mas todas são hipotéticas e algumas bastante fantasiosas. Possivelmente se tratou de fato de um recrudescimento fatal da
febre reumática que o atacara na infância; a descrição do mal como febre miliar aguda servia para muitas febres inflamatórias com exantema, o que não exclui a febre reumática.
Mozart foi velado na catedral em 6 de dezembro e no dia 6 ou 7 foi enterrado com discrição em uma vala comum no
cemitério da Igreja de São Marx, nos arredores de Viena, sem ninguém a acompanhá-lo, o que, ao contrário das versões romantizadas que deram sua morte como em condições abjetas e seu enterro solitário como uma indignidade e uma trágica traição dos vienenses ao grande gênio, era um costume comum em seu tempo. Não foi erguida nenhuma lápide e o local exato da tumba é até hoje desconhecido. É possível, contudo, a partir de um relato de Jahn de 1856, que Salieri e Van Swieten estivessem presentes, além de seu aluno Süssmayr e mais dois músicos não identificados. Os obituários foram unânimes em reconhecer a grandeza de Mozart, os maçons fizeram celebrar uma missa suntuosa no dia 10 e publicaram o elogioso sermão proferido em sua honra, vários concertos foram dados em sua memória, e alguns em benefício de Constanze. Em Praga as homenagens fúnebres foram ainda mais grandiosas do que em Viena. Mozart deixou herança considerável em manuscritos, instrumentos e outros objetos, mas a avaliação financeira dela foi pequena.

Formação, ideias e personalidade
Segundo Steptoe, todas as considerações sobre a personalidade de Mozart e o ambiente familiar onde cresceu devem passar pela análise da figura do seu pai, Leopold. Sua mãe, Anna Maria, permaneceu um personagem obscuro, em tudo secundário, na vida de seu filho, mas Leopold exerceu uma influência sobre ele que perdurou até a maturidade. Ele nascera em Augsburgo e se mudou para Salzburgo para estudar
Filosofia e Direito, mas não chegou a concluir os cursos. Voltou-se para a música e assumiu o cargo de violinista e professor de violino na capela do príncipe-arcebispo de Salzburgo, dedicando-se também à composição. Mais tarde ascendeu à posição de mestre de capela substituto, e conquistou considerável fama com a escrita de um tratado sobre a técnica do violino intitulado Versuch einer gründlichen Violinschule (1756), que teve várias reedições e traduções e permanece como uma das obras referenciais em seu gênero escritas no século XVIII. Leopold era um representante típico do racionalismo de seu tempo. Possuía uma inteligência aguçada, interessava-se pelas artes e ciências, correspondia-se com literatos e filósofos como Wieland e Gellert, e era um homem conhecedor dos caminhos tortuosos do mundo cortesão de seu tempo.
A educação musical que Leopold, um professor de primeira linha, proveu para seu filho foi em todos os aspectos completa e a presença da música na vida familiar era constante, tanto pela prática doméstica como pelas inúmeras atividades sociais em que a família se engajava, frequentemente envolvendo a música. O pequeno Mozart aprendeu desde os quatro anos teclado, com cinco iniciou no violino e órgão, e já passou à composição. A educação de Mozart além da música não é bem documentada, mas aparentemente Leopold providenciou para que ele aprendesse francês, italiano, latim e aritmética. As viagens internacionais, além de objetivarem lucro financeiro e buscarem a fama, também serviram para expor Mozart aos mais variados estilos, para que formasse o seu gosto e aprendesse técnicas novas. Leopold se preocupou também em contratar professores nessas viagens para complementar algum aspecto que lhe pareceu necessário. Em Londres procurou o castrato
Giovanni Manzuoli para dar lições de canto ao menino, e em Bolonha o levou ao Padre Martini para aulas de contraponto, além de adquirir partituras que dificilmente seriam encontradas em Salzburgo. As viagens também foram úteis para uma expansão de horizontes em outros aspectos da cultura, e sempre que possível os Mozart frequentavam o teatro e liam literatura estrangeira. Além disso, recreação ao ar livre, interação social e exercícios faziam parte integral dos valores educacionais e higiênicos de Leopold, de modo que a imagem de Mozart como uma criança solitária em um mundo de adultos, fechada entre quatro paredes, é um mito.
Durante o período itinerante Leopold ocupou um lugar central na vida do filho, sendo seu secretário, professor, colaborador, empresário, relações-públicas e seu maior incentivador, planejando meticulosamente os roteiros, explorando cada contato em prol das vantagens que pudessem trazer, e organizando todas as apresentações do filho, incluindo a divulgação sensacionalista de seu gênio. Leopold exercia forte pressão sobre Mozart no sentido de tentar incutir nele um senso de responsabilidade e profissionalismo, e durante um bom tempo foi seu maior conselheiro estético. A natureza e a repercussão positiva ou negativa dessa presença dominante sobre Mozart têm sido motivo para muito debate entre a crítica, mas parece certo que, apesar de existir um afeto real e profundo entre pai e filho, e de Leopold ser visivelmente um pai orgulhoso, quando o menino entrou na maturidade a índole controladora paterna e sua tendência ao sarcasmo e a manipular os sentimentos para fazer o filho curvar-se às suas idéias começaram a ser fonte de crescente tensão entre ambos. Com o passar dos anos Mozart aprendeu a ignorar as frequentes censuras do pai a seu comportamento e escolhas, mas sobrevivem cartas de Leopold em que fica clara sua raiva e decepção impotentes, e cartas de Mozart em que ele, entre a culpa e a impaciência, se esforça por justificar-se e assegurar que sabia o que fazia. Depois que Mozart se mudou para Viena eles se encontraram apenas duas vezes. Uma quando Leopold foi apresentado a Constanze em Salzburgo, e a segunda delas quando ele os visitou em Viena em 1785, quando parece ter-se dado como satisfeito, testemunhando o sucesso e prestígio profissional do filho e vendo que vivia em uma situação confortável.
O pai também parece ter sido o responsável pela modelação de parte das idéias religiosas, sociais e políticas do filho. Leopold, apesar de ser um homem do mundo era profundamente devoto; em uma das viagens interrompeu o roteiro para convencer um
apóstata a voltar ao Catolicismo, era um ávido colecionador de relíquias de santos e em várias cartas expressou sua preocupação com a salvação da alma de Mozart. Entretanto se relacionava com iluministas e outros anticlericais, e em várias ocasiões manifestou seu desprezo pelos valores corrompidos dos príncipes da Igreja. Por outro lado, recomendava ao filho que se aproximasse dos altos hierarcas e se afastasse dos seus colegas músicos, ao mesmo tempo em que dava mais valor ao mérito pessoal do que aos títulos de nobreza. Mozart em alguma medida ecoou todas essas crenças e opiniões, como sua correspondência atesta. Condenava os ateus - chamou Voltaire de "ímpio arquipatife" - e fez em muitos momentos menções devotas a Deus. Tinha grande sensibilidade para as desigualdades sociais e um agudo senso de amor próprio, e uma carta que escreveu após seu confronto com o patrão Colloredo é ilustrativa nesse sentido. Nela ele diz: "O coração nobilita o homem e, se seguramente não sou conde, talvez tenha em mim mais honra do que muitos condes; e, lacaio ou conde, na medida em que ele me insulta, ele é um canalha". Seu engajamento mais íntimo com a política se refletiu no ingresso, junto com seu pai, na Maçonaria, uma organização que naquela época fazia aberta campanha pela sistematização legal de princípios humanos fundamentais, da educação, da liberdade de expressão política e religiosa e do acesso ao conhecimento, buscando criar, na fórmula então usada, uma "sociedade esclarecida".
Em outros pontos tinha pensamentos bem diversos do pai. Apenas um adolescente de catorze anos pôde ironizar em carta à irmã as visões de Leopold sobre
estética, que se inclinavam aos modelos estabelecidos por Gellert e Wieland e que buscavam para a arte uma função social moralizante e nobilitante dentro de uma expressão austera e virtuosa. Essas opiniões já lhe pareciam antiquadas, e em carta ao pai em torno de 1780 defendeu a validade da opera buffa e rejeitou sua conformação aos ditames da opera seria. Também não se nota em sua correspondência um amor às outras artes além da música - sequer eram citadas e seu inventário não incluía uma única pintura - nem o atraía especialmente a paisagem natural. Não parece ter sido um grande leitor, mas conhecia em alguma medida Shakespeare, Ovídio, Fénelon, Metastasio e Wieland, além de provavelmente ter lido obras sobre história, educação e política, mas muitas dessas leituras aparentemente foram feitas tendo em vista mormente a elaboração de textos para óperas ou canções. Entretanto, sobrevivem rascunhos de duas comédias em prosa de sua autoria, alguns poemas e foi um grande escritor de cartas, cujo conteúdo veicula uma larga variedade de sentimentos e idéias, apresentados de forma profunda e exuberante, que se equiparam em qualidade literária à correspondência dos mais distinguidos escritores de sua época.
Tendo passado os anos formadores de sua personalidade sempre em viagens extenuantes, pressionado de várias formas pelo pai, e pelo público que exigia sempre novas proezas de um menino prodígio, e sem receber uma educação padrão, Mozart surpreendentemente emergiu como um homem maduro sem problemas psicológicos graves, mas sua passagem para uma vida autônoma não transcorreu isenta de repercussões negativas, um fenômeno comum a outras crianças-prodígio. Enquanto pequeno, sua vivacidade e espontaneidade, aliadas ao seu talento indiscutível e espantoso, ganharam-lhe as boas graças e os mimos da alta nobreza e permitiram-lhe entreter com ela uma intimidade em enorme desproporção com as suas insignificantes origens burguesas. Quando cresceu o apelo do gênio infantil desapareceu, ele se tornou apenas mais um entre milhares de músicos talentosos em atividade na Europa - ainda que fosse superiormente talentoso -, e as facilidades de penetração em todas as esferas sociais que conhecera antes também desapareceram. Seu sucesso precoce desenvolvera nele um considerável orgulho por suas realizações, com um consequente desprezo pela mediocridade, mas ao ver-se privado dos antigos privilégios e passando a rejeitar Leopold como o organizador de sua vida - função que antes o pai desempenhara muito bem -, sendo obrigado a ganhar seu sustento primeiro como músico cortesão subalterno, e depois se aventurando em uma incerta vida de músico independente, teve dificuldades de manter sua rotina doméstica em boa ordem, de equilibrar seu orçamento, de se adaptar ao mercado e de socializar diplomática e igualitariamente com seus pares. Uma carta escrita de Paris a seu pai por seu antigo amigo, o Barão von Grimm, exprime em linhas gerais a visão dos seus contemporâneos sobre ele:
"Ele é demasiadamente confiante, demasiadamente inativo, demasiadamente fácil de apanhar, demasiadamente pouco atento para os meios que podem levar à fortuna. Para causar uma impressão aqui, deve-se ser arguto, empreendedor, ousado. Para fazer fortuna, eu desejaria que ele tivesse metade do seu talento e duas vezes mais astúcia."
Também tem sido um ponto de muita curiosidade o conhecidamente grosseiro senso de humor de Mozart, um traço que ele compartilhava com toda a família, incluindo sua mãe. Caçoadas chulas, envolvendo situações sexuais e descrições literais das atividades excretórias do corpo, eram comuns entre eles, sua correspondência está cheia delas, e o interesse jocoso de Mozart pelo ânus e pela defecação se mantiveram por toda a sua vida. Tal comportamento chocava os hábitos dos círculos elegantes que ele frequentava, ainda que isso não interferisse no reconhecimento e apreciação de seu refinado talento musical. Esta polaridade de temperamento se manifestava também de outras maneiras. Há relatos de frequentes mudanças súbitas de humor, num instante dominado por uma idéia sublime, no outro entregue a gracejos e ao ridículo, e depois alimentando sentimentos sombrios. Contrastando com essas oscilações, permaneceu sempre inabalada sua confiança em suas próprias capacidades musicais, exultando com elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas memórias de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte neste aspecto. Contudo, em linhas gerais seu temperamento era bem disposto. Quando se dedicava ao trabalho de composição as circunstâncias externas pareciam não afetá-lo. Como exemplo, ele trabalhou em seu quarteto de cordas K421 enquanto a esposa dava à luz o primeiro filho do casal no quarto ao lado; no verão de 1788, em meio à morte de sua filhinha Theresia e críticas dificuldades financeiras, que os levaram a se mudar para uma casa barata, compôs nada menos do que as suas três últimas sinfonias, obras de grande importância, além de um trio, uma sonata e outras peças notáveis. Isso entretanto não significa que sua vida musical e a pessoal estivessem de todo desvinculadas, e em várias ocasiões sua saúde e, principalmente, sua relação com a esposa, que moldou grande parte de sua personalidade adulta, se refletiram no seu trabalho.

Relacionamentos
Constanze foi ao longo do tempo sujeita às mais diversas apreciações, mas em grande parte delas foi retratada como inculta, vulgar, caprichosa, astuta por ter enredado Mozart num casamento que ele não estava, ao que parece, tão ansioso por concretizar, e como incapaz de apoiá-lo e ajudar na administração doméstica, induzindo-o a uma vida displicente e irresponsável, que em várias ocasiões os conduziu a sérias dificuldades financeiras. Também foi sugerido que ela lhe foi infiel, embora não haja provas disso. O que parece certo é que ela, tendo ou não os defeitos que lhe foram imputados, se tornou o principal suporte emocional do marido até sua morte, foi objeto de sua verdadeira paixão e o fez feliz. Nas várias ausências de Constanze para tratamento de saúde as cartas de Mozart expressam perene preocupação pelo seu bem estar e revelam o ciúme que sentia dela, fazendo-lhe mil recomendações a respeito do comportamento decoroso que ela deveria manter em público. E sua alegada incompetência como dona de casa é difícil de conciliar com a perspicaz administração da herança e do nome do marido que ela levou a cabo após enviuvar.
Vários amores foram atribuídos a Mozart em sua juventude, mas é incerto o grau de seu envolvimento. Entre eles estavam sua prima Anna Thekla, com quem pode ter tido sua primeira experiência sexual, Lisel Cannabich, Aloysia Weber e a Baronesa von Waldstätten. Mesmo depois de casado ele pode ter continuado a cortejar outras mulheres, entre elas as cantoras Nancy Storace, Barbara Gerl, Anna Gottlieb e Josepha Duschek, sua aluna Theresia von Trattner e Maria Pokorny Hofdemel, mas não há provas de que foi concretamente infiel a Constanze. Correu um boato depois de sua morte de que ele engravidara Maria Hofdemel.
Mozart teve muitos
mecenas em sua carreira, e alguns deles lhe devotaram legítima amizade. O primeiro protetor que teve ao chegar a Viena foi a Condessa von Thun, frequentando assiduamente sua casa. Outros amigos da nobreza foram Karl Lichnowsky, August von Hatzfeld, Gottfried von Jacquin e sobretudo o Barão Gottfried van Swieten, de todos talvez o mais leal e que possivelmente influiu na obra do amigo despertando-lhe um interesse pela fuga. Entre os compositores e outros profissionais do mundo artístico desenvolveu uma amizade mais íntima, embora às vezes efêmera, com Johann Christian Bach, Thomas Linley, Christian Cannabich, Ignaz Holzbauer, Michael Puchberg, que o socorreu em diversas crises financeiras, os atores Joseph Lange, Gottlieb Stephanie e Friedrich Schröder, os instrumentistas Anton Stadler e Joseph Leutgeb, e os membros da companhia teatral de Emanuel Schikaneder, incluindo o próprio. Sua amizade com Joseph Haydn se tornou intensa, ainda que não convivessem regularmente. Entretanto desenvolveram profunda admiração um pelo outro, e a obra de Mozart revela influência do compositor mais velho. Sua ambivalente relação com Antonio Salieri se tornou outro pomo de discórdia para a crítica, e muitas lendas se formaram em seu redor, incluindo uma que o acusava de ser o assassino de Mozart. Mozart possivelmente invejava sua alta posição na estima do imperador e de início suspeitou dele, supondo que buscasse prejudicá-lo com intrigas. Mais tarde estabeleceu um relacionamento cordial com o concorrente, convidando-o para uma récita de A Flauta Mágica e ficando encantado com os elogios que Salieri lhe fez. Salieri também manifestou sua deferência quando incluiu obras de Mozart ao reger a música da coroação de Leopoldo II em Praga. Relatos deixados por amigos de Salieri dizem que em sua velhice ele teria confessado o envenenamento de Mozart, mas nessa época ele já havia tentado o suicídio e entrado em um estado mental delirante, e hoje a crítica considera a suspeita infundada.

Aparência e iconografia
Tinha baixa estatura, era magro e pálido, a varíola deixara marcas em seu rosto e Nannerl disse que ele não tinha nenhum atrativo físico, circunstância de que ele era consciente. Hummel e outros, contudo, lembravam de seus grandes e brilhantes olhos azuis, e o tenor
Michael Kelly, que ele era vaidoso de seus cabelos bastos, finos e louros. Sua orelha esquerda era deformada, e a mantinha escondida sob o cabelo. Seus dedos também tinham deformidades, mas isso podia se dever à prática continuada no teclado. Em anos finais adquiriu uma papada e seu nariz se tornou proeminente, o que deu origem a piadas nos jornais. Embora essas descrições possam ser exageradas, em vários momentos se registrou sua preocupação de compensar sua falta de beleza física com a elegância nos trajes, sapatos e no penteado, e mesmo em suas roupas íntimas.
Mozart foi retratado várias vezes em vida. Restam cerca de catorze retratos considerados autênticos, e mais de sessenta cuja identificação é duvidosa. Dentre os autenticados a grande maioria foi realizada por pintores de escasso mérito, mas são importantes o de Barbara Kraft, pintado postumamente a partir de fontes anteriores e segundo Landon talvez o que mais se aproximou da sua real fisionomia, e o pintado por seu cunhado Joseph Lange, muito poético mas deixado inconcluso. Também são dignos de nota uma
litografia de Lange feita possivelmente a partir de uma pintura perdida, o desenho de Dora Stock em ponta de prata, o retrato familiar de Johann Nepomuk della Croce e os retratos infantis de Saverio dalla Rosa e Pietro Lorenzoni. Quando Mozart faleceu foi feita uma máscara de cera de seu rosto, que infelizmente se perdeu. Ao longo do século XIX foram produzidos diversos outros retratos, mas se tratam de recriações românticas que mais revelam as idéias da burguesia da época do que os verdadeiros traços do compositor.

A Música
A música de Mozart é basicamente
homofônica, definida em poucas palavras como uma linha melódica suportada por uma harmonia vertical, com um uso econômico de modulações e de dissonâncias, estas colocadas em pontos estratégicos e logo resolvidas. Sua harmonia, sempre clara, é extremamente rica em sutilezas e soluções originais, e seu uso da dissonância, do desenho motívico e das dinâmicas atende a propósitos eminentemente expressivos. Seus ritmos são vivazes e sua compreensão das possibilidades texturais dos instrumentos é imensa. Ao mesmo tempo, usou recursos polifônicos abundantemente, incluindo o mais estrito deles, a fuga, em particular em suas missas. Contudo, seu uso da fuga podia se abrir para liberdades formais, dependendo das características dos sujeitos (temas). As fugas com sujeitos longos são mais propensas a exibir feições tradicionais, enquanto as de sujeitos curtos são mais experimentais e seus perfis melódicos se encaixam melhor na estética clássica. Elas raramente cobrem todo um movimento, antes são comuns nas seções de conclusão, um procedimento entendido como uma enfatização retórica do discurso musical. Na música instrumental as fugas rigorosas são raras, e os recursos polifônicos são estruturados como episódios dentro do arcabouço da forma-sonata. Mozart estudou com interesse as fugas de Bach e compôs diversas, e também entrou em contato com a música de Händel, igualmente rica em polifonia, de onde recebeu importante influência.
Sabe-se que Mozart entendia o processo de composição como uma atividade consciente, que devia ser empreendida com um propósito definido e de acordo com uma necessidade específica. Devaneios à espera de inspiração, ou um entendimento da inspiração como uma força externa, não tinham lugar no seu método. Contudo, isso não excluía a fantasia, nem impedia que seus sentimentos excercessem influência em seu trabalho. Seus contemporâneos não conheceram seus procedimentos de composição, sabiam apenas que ele compunha muito e rápido. Criou-se porém um folclore, a partir de seus grandes dotes como improvisador e de algumas observações esparsas que ele mesmo fez, de que ele escrevia de forma instintiva, ou de que as músicas lhe vinham prontas à mente e depois apenas as transcrevia mecanicamente à
partitura, sem necessidade de correções, ou que compusesse sem qualquer ajuda de instrumentos, mas essa percepção, confrontada com um grande corpo de outras evidências contrárias, em grande parte não sobrevive. É certo, por outro lado, que ele possuía uma memória e capacidades intelectuais prodigiosas. Em uma carta afirmou que elaborava uma composição mentalmente enquanto escrevia outra já pronta no papel, mas em outras deu detalhes a respeito de meditações prolongadas planejando obras, e de seu esforço considerável até que elas resultassem a contento. Seu estado de consciência agudamente ativo quando se tratava de música é relatado em carta a seu pai, dizendo que pensava em música todo o dia, e que gostava de experimentar, estudar e refletir. Seu procedimento padrão, a partir das análises dos manuscritos e de seus relatos, era o seguinte: em primeiro lugar concebia uma idéia e usava sua fantasia para definí-la, em seguida experimentava-a ao piano - dizia que sem um piano não conseguia compor, ou só o fazia com dificuldade. A próxima etapa envolvia a comparação de sua idéia como modelos de outros compositores, e então anotava um primeiro esboço no papel, muitas vezes de forma críptica, para que ninguém entendesse o que ele estava planejando. Outros esboços mais completos se seguiam, detalhando a progressão harmônica da estrutura e suas linhas melódicas principais, bem como delineando a linha de baixo, sobre a qual o restante era construído. Anotava temas subsidiários para futuro aproveitamento, e dali a obra começava a tomar sua forma definitiva. A última etapa consistia na orquestração, que definia a sonoridade final da peça.
Ao contrário das lendas que descreveram Mozart como um prodígio inato, o vasto conhecimento que tinha da cultura musical européia de seu tempo e de épocas anteriores foi decisivo para a formação de seu estilo pessoal. Seu gosto pelas nuanças sutis e delicadas, seu hábil uso do espectro tonal para dar cores mais ricas à harmonia, e a flexibilidade de seu estilo evitaram que sua forte veia lírica penetrasse nos excessos do
Romantismo. Mesmo em ocasiões em que expressou a tragédia da existência humana, temperou o drama recusando qualquer afetação. Cultivando o equilíbrio, o charme e a graça característicos do Classicismo, sua obra não obstante possui grande vivacidade, expressividade e força, apresentando suas idéias sempre uma forma clara e direta. Sua produção é enorme, multifacetada e aqui só pode ser abordada sumariamente em seus gêneros principais, incluindo cerca de vinte óperas, dezessete missas, um réquiem, 29 concertos para piano, vários concertos para instrumentos diversos, 27 quartetos e seis quintetos de cordas, 41 sinfonias e grande número de composições menores em várias formações, num total que ultrapassa as 600 obras. O Catálogo Köchel acusa 630 peças mas ocasionalmente outras têm sido redescobertas.

Óperas
Óperas de Wolfgang Amadeus Mozart
Die Schuldigkeit des Ersten Gebots (1767)

Apollo et Hyacinthus (1767)

Bastien und Bastienne (1768)

La finta semplice (1769)

Mitridate, ré di Ponto (1770)

La Betulia liberata (1770)

Ascanio in Alba (1771)

Il sogno di Scipione (1772)

Lucio Silla (1772)

La finta giardiniera (1775)

Il re pastore (1775)

Zaide (1780)

Idomeneo, ré di Creta (1781)

O Rapto do Serralho (1782)

L'oca del Cairo (1783)

Lo sposo deluso (1784)

O Empresário Teatral (1786)

As Bodas de Fígaro (1786)

Don Giovanni (1787)

Così fan tutte (1790)

A Flauta Mágica (1791)

A Clemência de Tito (1791)
Entre suas composições mais importantes estão suas
óperas, que incorporaram elementos de tradições bem diferenciadas: o singspiel alemão e a opera seria e opera buffa italianas. Entretanto, não se pode tomar essas categorias demasiado ao pé da letra, havendo muitas obras com traços comuns a todas. Mesmo algumas de suas opere buffe incluem elementos dramáticos de grande peso na trama e no caráter da música, a ponto de ele descrever Don Giovanni, por exemplo, como um "drama jocoso". Suas primeiras criações no gênero são notáveis por terem sido obra de uma criança, mas embora corretas do ponto de vista técnico, carecem de maiores qualidades dramáticas nem possuem uma arquitetura musical muito rica ou complexa. Seu melhor momento na fase infantil é Lucio Silla, composta aos dezesseis anos, onde se esboça uma coerência dramática mais efetiva entre os números, sendo de especial interesse o final do I Ato, onde ele conseguiu evocar uma atmosfera tenebrosa de grande interesse. Entretanto, em geral a obra segue estritamente as convenções da opera seria, concentrando suas forças em árias de bravura para exibição de puro virtuosismo vocal. Sua abordagem já é bem diferente em Idomeneo, a primeira de suas grandes opere serie. Ele já se esforça por dominar seus meios de forma consciente e com um propósito definido, demonstrando um apreciável entendimento das convenções do teatro e das maneiras de obter o melhor efeito dramático. Evitou cadências de caráter fortemente conclusivo ao fim de cada número, para que a integração entre eles se fizesse mais natural e contínua, eliminou o decorativismo da tradição italiana do bel canto, e usando recursos simples escreveu música sóbria e expressiva, provendo-a de grande intensidade patética e lírica.
Em
O Rapto do Serralho é dado um passo adiante, ainda que a obra não tenha as pretensões dramáticas de Idomeneo. As numerosas árias de bravura são muito mais brilhantes e ricas musicalmente do que em suas obras anteriores, mas o resultado final é um híbrido confuso entre a opera seria e a opera buffa, onde a integração dos dois universos é desarticulada e inconsequente. Um equilíbrio só foi conseguido numa etapa posterior da evolução de seu pensamento musical e do entendimento do caráter e psicologia dos personagens, resultando nas três óperas que escreveu sobre libretos de Lorenzo da Ponte, As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e Così fan tutte, na fase final de sua carreira. Em todas elas os personagens burgueses ou cômicos recebem um tratamento musical e caracterológico de idêntica importância ao dos personagens heróicos e nobres. Todas evidenciam uma grande segurança no manejo da forma da ópera italiana, de fato Mozart não mudou as convenções do gênero, mas aceitou-as e as imbuiu de um poder sonoro, um alcance dramático e uma penetração psicológica até então sem paralelos, junto com a criação de arquiteturas sonoras elegantes, uma harmonia transparente e colorida com sutileza, uma orquestração límpida e evocativa e uma inspiração melódica cheia de frescor e vivacidade. Segundo Hindley essas características se combinam para dar-lhes sua atmosfera de fantasia, seu equilíbrio exato e seu profundo significado humano.
Suas duas óperas derradeiras,
A Flauta Mágica e A Clemência de Tito, também de grande valor, deixam intrigantes questões pendentes para os críticos, que especulam sobre aonde as inovações que introduziram poderiam tê-lo levado se tivesse vivido mais. A Flauta Mágica é o melhor exemplo do interesse de Mozart na criação de uma ópera nacional germânica, tanto em forma como em expressão, empregando o alemão como língua do libreto e realizando uma concepção expandida da forma do singspiel. Seu tema é esotérico e em parte arqueológico, e pode refletir influência de doutrinas maçônicas. Trata em resumo da vitória da luz sobre as trevas; o casal protagonista passa através de um rito de iniciação, e o final é uma alegoria do casamento da Sabedoria com a Beleza, mas a obra também tem importantes elementos de contos de fadas e de pantomima. Tecnicamente a escrita de bravura não atende a propósitos exibicionísticos, mas a dramáticos, e é bastante econômica; em vários pontos é aparente a tentativa de basear a ação mais a partir dos recursos da voz do que da coreografia dos personagens, com passagens declamatórias inovadoras, de forte qualidade dramática e coerência harmônica, traços que desencadeiam mutações imprevistas e inusitadas na estrutura geral da obra. Quanto ao Tito, é uma opera seria pura, sem interpolações cômicas, um drama político exaltando a nobreza e generosidade do imperador protagonista - uma alegoria de Leopoldo II - contra um contexto dominado por intrigas, traição, paixão, ciúme, covardia e turbulência civil. Foi composta às pressas mas representa uma evocação tardia e nobre de um gênero que já estava em extinção, assimilando em parte a influência da renovação da opera seria feita por Gluck e dando à música uma atmosfera de verdadeira tragédia clássica com sábia economia de meios, grande expressividade e uma instrumentação que apontava para o futuro. Muitos autores a consideraram na época a suma das conquistas de Mozart na opera seria.

Piano
Mozart era um pianista consumado, um dos maiores virtuosos de todos os tempos, embora em seu tempo isso tivesse um significado diferente do que o que adquiriu no século XIX após a atividade de
Muzio Clementi e Beethoven. Escreveu para o pianoforte, um instrumento de menor potência e sustentação sonora do que o atual piano. Suas sonatas para piano e violino mostram a evolução do conceito dessa forma. Historicamente, até c. 1750 o violino tinha o papel principal, cabendo ao teclado uma atuação de suporte harmônico. Por volta de 1750 o teclado assumiu a predominância, tanto que muitas obras nessa forma dão ao violino uma participação ad libitum, podendo ser omitido sem grande prejuízo. Segundo Einstein, coube a Mozart estabelecer um equilíbrio entre ambos os instrumentos, criando um verdadeiro diálogo. Entretanto, isso só foi conseguido em suas obras maduras, as primeiras são meras adaptações de trabalhos alheios para teclado ou tinham um caráter de improviso. Na opinião de Carew, as quatro últimas sonatas para piano e violino merecem um lugar ao lado de suas maiores criações em outros gêneros. Seus dois quartetos de cordas com piano (1785-1786) são obras também importantes e originais, já que Mozart não teve muitos modelos onde se inspirar. O piano é parte integral do discurso e não mero acompanhamento, alcançando em alguns momentos um efeito concertante. Seu conteúdo revela a complexidade de sua fase madura, explorando em profundidade a forma-sonata, os timbres, os desenvolvimentos motívicos, as dinâmicas e as texturas. São obras especiais também por sua atmosfera pré-romântica, aliando lirismo e dramaticidade.
Suas dezoito sonatas para teclado solo igualmente testemunham a evolução da forma. Não produziu nada significativo antes de entrar em contato com a produção dos franceses, especialmente as sonatas do germânico radicado em Paris
Johann Schobert, e os trabalhos de Johann Christian Bach, que encontrou em Londres. Outra influência importante foi o exemplo das sonatas de Joseph Haydn, um pouco mais tarde. Somente em torno de 1775 começou a mostrar um estilo pessoal, sendo importante como um marco a sonata em ré K284, que exibe uma animação quase concertística e um dos movimentos, em variações, é muito unificado. Entre 1777-1778 compôs uma série de sete, um grupo caleidoscópico cheio de passagens de grande brilho pianístico e movimentos lentos muito sensíveis, com a parte da mão esquerda adquirindo importância equiparável à da direita. Deste grupo é a sonata em lá maior K331, cujo finale é o conhecido Rondò alla turca. A produção de sonatas foi interrompida então por seis anos, e ao retomá-las produziu um grupo de obras caracterizadas pela dramaticidade. As sonatas de seus anos finais resgatam elementos de seus inícios rococós combinados a uma grande maestria na escrita contrapontística. Essas obras permanecem injustamente negligenciadas pelo público moderno, que conhece umas poucas apenas, sendo ofuscadas pela produção de Beethoven e dos outros compositores românticos no mesmo gênero. Parte desse fenômeno se deve ao seu caráter enganadoramente simples, sempre com uma límpida linha melódica e uma harmonia clara, sem muitas modulações e sem dificuldades excepcionais para um instrumentista mediano, o que faz muitas delas serem encontradas mais nas classes de piano do que nos concertos. Contudo, essa falsa simplicidade é uma das características estilísticas mais típicas do Classicismo, que intencionalmente busca o decoro e a contenção numa forma equilibrada. Os arroubos de paixão e a fantasia desenfreada não eram considerados naquele tempo compatíveis com a atmosfera intimista da sonata.


Mozart como professor
A atividade docente nunca foi uma preferida por Mozart, mas ele viu-se obrigado a tomar diversos alunos de piano para melhorar seus rendimentos. O ensino só lhe era agradável quando conseguia estabelecer uma relação amistosa e informal com o aluno. Nestes casos, podia mesmo dedicar-lhes composições. Seus métodos são pouco conhecidos, mas algo se sabe de alguns relatos e da preservação de um caderno de exercícios de seu pupilo Thomas Attwood. Outro aluno, Joseph Frank, descreveu uma de suas aulas com o mestre dizendo que ele próprio preferia tocar peças e pelo exemplo vivo mostrar a interpretação correta, antes do que instruí-lo por recomendações verbais. Alguns alunos disseram que muitas vezes ele era displicente, e que os convidava para jogar cartas ou bilhar durante as aulas, em vez de estudarem música, mas Eisen & Keefe discordam dessa impressão, considerando-o um professor cuidadoso. Mozart não apenas ensinava a parte prática, mas também teoria musical, usando como base o conhecido manual de Johann Joseph Fux, Gradus ad Parnassum. Do caderno de Attwood se percebe que Mozart costumava dar um baixo para o aluno suprir um contraponto, e depois corrigia o resultado. Para alunos mais avançados, podia examinar e corrigir as composições deles, chegando a reescrever longas passagens. O aluno mais conhecido dentre todos foi Johann Nepomuk Hummel, que chegou a viver com os Mozart por cerca de dois anos, acompanhava-os em festas e na corte, e mais tarde se tornou um pianista virtuoso de grande fama.

Mozart e a Maçonaria
No ano de 1784, foi iniciado Maçom e aprofundou sua amizade com o já famoso e aclamado compositor Joseph Haydn que conhecera na sua chegada à capital.
Mozart adorava jogar, ficando a mesa de bilhar ao lado do piano e que serviu muitas vezes de "mesa de composições", como qualquer lugar que ele encontrasse para repousar a pena e a folha pautada. Gostava também de esgrima, da dança e de cavalgar. Em 1786, estrearam a sinfonia: Praga “e a ópera Às Bodas de Fígaro", dois grandes sucessos em Viena e também em Praga, cidade para onde se dirigiu o casal em busca de sucesso, permanecendo nesta capital por treze meses. Em 1787 foi o ano da morte de Leopold, aos 68 anos. Foi um período de grande sofrimento e muito trabalho na composição de uma ópera para o teatro em Praga, o famoso drama dramático "Dom Giovanni", sendo Mozart ovacionado em cena aberta, em várias audições. Também neste período, houve o agravamento de problemas renais. As crises levavam Mozart a alternar períodos de euforia e depressão. Triunfando em Praga, retornou a Viena para uma boa notícia: fora contratado como Kammer-musicus ou compositor da corte imperial, com salário anual de 800 florins, apenas razoável para o padrão de vida dos abastardo de Mozart. Nos três anos seguintes, as finanças de Wolfgang foram completadas por vários empréstimos feitos por um empresário, mestre maçom de sua Loja, Michael Puchberg.
Sua saúde declinava e Constanze, uma mulher frágil e magra, dos seis partos que tivera somente dois filhos tinham conseguido atingir a idade maior do que um ano. Em 1791, no último e mais importante ano musical, Mozart, debilitado, compôs entre outros, a ópera
"A Flauta Mágica", seu maior sucesso de público e crítica e a magnífica e impressionante "Missa de Réquiem". Contrariando a crença difundida alguns anos após, de que a morte lhe encomendara uma música para o seu funeral, a missa de Requiém foi uma peça encomendada pelo rico e excêntrico conde Franz Von Walssegg-Stupach, que se apresentara a Mozart disfarçando em criado, pagara um preço acima da média e que tinha o costume de assinar, como de sua autoria, composições de vários compositores da época.
Esta obra foi completada na terça parte que faltava, após a morte do compositor, por seu discípulo e copista auxiliar Franz Xavier Sussmayr, conforme orientações expressas por Mozart. Na madrugada do dia 5 de dezembro de 1791, Mozart morreu de insuficiência renal aguda e febre reumática, aos 35 anos de idade, legando a humanidade, um gigantesco acervo de 675 obras da mais fina ourivesaria musical.
O principal motivo para este trabalho foi, inicialmente, a busca de informações a respeito de um "Hino Maçônico” composto por Mozart, citado em Loja pelo irmão Célio Garcia, em 1990. O tal hino era, na verdade, a célebre obra-prima "Música Fúnebre Maçônica", mas nesta envolvente busca, aflorou com uma inesperada e surpreendente riqueza de detalhes, o maior compositor do período musical clássico, Wolfgang Amadeus Mozart.
Mozart foi iniciado na Maçonaria em 14 de dezembro de 1784, aos 28 anos na Loja A

Beneficiência em Viena
Mozart foi iniciado na Maçonaria em 14 de dezembro de 1784, aos 28 anos, na loja "A Beneficiência" ( Zur Wohltatigket ) em Viena, uma dentre as 57 oficinas ( 17 na Áustria, 7 na Bohêmia, 4 na Galícia, 12 na Hungria e 17 nos Países Baixos ), filiadas à Grande Loja da Áustria ( Grosse Landesloge von Österreich ). Eram apoiadas pela poderosa Grande Loja da Alemanha. A Loja "A Beneficiência" realizava suas sessões no templo de uma loja maior e mais influente, chamada A Verdadeira Concórdia ( Zur Wahren Eintracht ).
A Europa do século XVIII fervilhava com os ideais humanistas. As sociedades secretas proliferavam e, entre tantas outras, as mais conhecidas eram: os Irmãos Asiáticos, os Iluminados da Baviera, o Escocesismo e a antiga Rosa-Cruz. Algumas ordens estavam concentradas nos ideais revolucionários e nas ações políticas, mas no geral, as sociedades estavam mais voltadas aos ideais da filosofia, fraternidade e, principalmente, aos oportunos tráficos de influência. A Maçonaria era uma das sociedades que mais se desenvolveram no século XVIII. Em 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, padroeiro dos antigos maçons operativos, foi criada a Grande Loja de Londres, com a reunião de quatro lojas maçônicas, numa federação, à qual outras lojas vieram a se filiar. O objetivo era dar unidade aos ritos, usos e costumes advindos da evolução das quildas e hansas construtivas desde a Idade Média. A partir do século XVII, os pedreiros maçons aceitavam, em suas lojas esparsas e ocasionais, intelectuais, oficiais militares, nobres e outros não "operativas" em seu seio. Desde 1646, quando o astrólogo e esotérico Elias Ashmole fora aceito e iniciado em uma loja operativa de Warrington, na Inglaterra, as lojas maçônicas ou oficinas deixaram a conotação obreira - o ofício da construção - para se dedicar às especulações filosóficas, metafísicas, esotéricas e científicas. Trabalhavam em torno de símbolos ligados à arte da construção, razão pela qual a Ordem passou a ser chamada de simbólica.
A Maçonaria floresceu na Áustria, Bohêmia e Hungria, principalmente pelo exemplo dado por Franz Stephen, duque de Lorraine e príncipe-consorte da imperatriz austríaca Maria Thereza. Ele se tornara maçom em 1731, iniciado em Haia, numa loja ocasional, constituída por Theophilus Desaguiliers ( que participa com John Anderson na elaboração da Constituição dos Maçons ), que era grão-mestre da grande Loja da Inglaterra.
Atribui-se a Franz Stephen a consolidação da primeira loja maçônica de Viena: "Os Três Canhões" ( Die Drei Kanonen ) e por ter convencido o falecido sogro e imperador, Carlos VI, a não aplicar, em seus territórios, a Bula Papal "In Eminenti", sancionada em 1738 por Clemente XII, que condenava os maçons. Desde os primórdios até 1789, a maçonaria austríaca desenvolveu-se de forma soberba, tornando-se o principal ponto de encontro da elite intelectual.
O ritual adotado para os trabalhos nas oficinas era o Rito da Estrita Observância, ou Rito Escocês Retificado, criado em 1761 na Alemanha pelo barão Karl Gathen Von Hundt, que compreendia três graus simbólicos: Aprendiz, Companheiro, Mestre e quatro graus filosóficos: Mestre-Escocês, Neófito, Templário e Cavaleiro Professo. A partir do início do ano de 1785, uma série de editos desencadeou o acaso da maçonaria na Áustria. O ministério da Polícia e o imperador Joseph II acreditaram nos boatos de que os maçons tramavam a queda da Casa Real de Habsburg e que se haviam tornado demasiado influentes, com lojas cada vez mais ricas e poderosas. O Objetivo era também de coibir o crescimento acelerado de centenas de ordens herméticas e secretas e eliminar as correntes pseudomaçônicas que ploriferavam por todo o império austro-hungaro. Baixou então um decreto de expurgo, onde cada cidade deveria ter, no máximo, três lojas maçônicas.
Reorganizaram-se as nove lojas de Viena e vários de seus membros, por temor, afastaram-se. As exigências do imperador sobre listas de membros, cargos e outras informações é que nos permitem, hoje, ter acesso a muitos documentos sobre a Maçonaria austríaca, Mozart e a situação da Ordem no século XVIII.
Ao analisarem a produção de Mozart, ao longo de 1785, os mais importantes musicólogos selecionaram 24 obras com marcante influência dos ensinamentos maçônicos.
Mas as ligações de Wolfgang com a Maçonaria começaram muito antes de sua iniciação. Em fins de 1767, Leopold, Anna Maria, Narnnel e Wolfgang com 11 anos, deixaram Salzburg e foram para Viena para as bordas nupciais da arquiduquesa Maria Josepha com o rei Ferdinando de Nápoles. O ambiente festivo transformou-se em luto, pois uma epidemia de varíola vitimou centenas de pessoas, inclusive a noiva real. Para não correr riscos, os Monzart partiram para Olmutz, na Checoslováquia. Mesmo assim, as crianças sofreram leves ataques de varíola e foram tratadas pelo Dr. Josef Wolff, conceituado maçom. O menino Wolfgang, em agradecimento, compôs uma melodia para o médico, sobre um texto maçônico escrito pelo poeta Johann Peter Uz, celebrando a "Alegria, Rainha dos Sábios".
Acostumado desde criança ao estudo intensivo da literatura e da poesia, o jovem músico encantou-se com a coletânia de poemas maçônicos publicados em Berlim um ano antes, extraido dela o texto "A Amizade". Após sua iniciação, doze anos depois, Mozart colocou na canção um subtítulo "Cântico Solene para uma Loja de São João" ( Lobgesang Auf Die Feierliche Johannisloge ) e foi destinada à cerimônia litúrgica "Cadeia de União", que segundo o ritual em uso, era como se encerravam todas as sessões das lojas. Os primeiros versos são:
Oh sagrados laços que unem os verdadeiros Irmãos Tal como a maior felicidade e delícias do Éden Para teus círculos sou sempre atraído Pois torna a vida bela e cheia de encantos.

Recepção inicial e influência posterior
A crítica de seu tempo era unânime em reconhecer seu talento superior, mas muitos consideravam sua música excessivamente complexa, tornando-a de difícil compreensão para o ouvinte inculto e um desafio mesmo para os conhecedores. Uma apreciação do compositor
Karl von Dittersdorf é ilustrativa:
"Ele é incontestavelmente um grande gênio original, e até hoje nunca encontrei ninguém que possuísse tão assombrosa profusão de idéias. Gostaria que não fosse tão pródigo com elas. Deixa seu ouvinte sem fôlego, pois mal se examinou uma idéia, já se posta em seu lugar outra, que faz sair a primeira, e isso prossegue ininterruptamente sem cessar, de modo que no final nenhuma dessas verdadeiras belezas pode ser preservada na memória".
Contudo, também foi sintomática a posição do crítico Adolph von Knigge, que, depois de tecer um grande número de objeções a diversos aspectos da escrita de Mozart que lhe pareciam extravagantes demais, não se furtou em acrescentar: "Oh sim, todos os compositores deviam estar em condições de cometer tais erros!" Alguns relatavam que suas peças se tornavam mais acessíveis depois de audições repetidas, e outros sentiam que elas eram prejudicadas principalmente pela sua interpretação corriqueira por músicos pouco competentes, tornando-se muito mais claras nas mãos de virtuoses. Mesmo assim, no auge de sua carreira, a década de 1780, suas composições conseguiram tocar o público em larga escala, sendo ouvidas em vários pontos da Europa com sucesso. Logo após sua morte ele ainda era chamado de
Orfeu ou Apolo, e se tornara um nome notório.
Mesmo com o prestígio que adquiriu em vida, Mozart não criou propriamente uma escola estética, mas sua música conseguiu sobreviver à transição para o
Romantismo e ainda hoje exerce alguma influência sobre os compositores. Seus sucessores não tentaram imitar seu estilo, mas os atraíram mais aspectos de forma, técnica e sintaxe musical, quais sejam: as possibilidades que Mozart apontou para a expansão das formas musicais, sua habilidade em coordenar elementos heterogêneos para formar um todo unificado, a maneira como ele deu consistência a um fraseado eloquente e a fertilidade de suas idéias subsidiárias aos temas principais, usadas como ornamentos complexos e estruturantes. Não teve discípulos diretos de renome salvo Hummel, mas diversos expoentes das gerações seguintes, numa linha ininterrupta até a contemporaneidade, foram devedores dele em algum grau e o citaram explicitamente como um modelo para um ou mais aspectos de sua própria música. Dos mais destacados, pode-se citar como exemplo Ludwig van Beethoven, Franz Schubert, Gioachino Rossini, Robert Schumann, Johannes Brahms, Richard Wagner, Anton Bruckner, Piotr Tchaikovsky, Gustav Mahler, Max Reger, Richard Strauss, Igor Stravinsky, Arnold Schönberg, e mais recentemente John Cage e Michael Nyman. Para muitos outros autores atuais ele continua sendo, senão uma inspiração, um modelo de excelência.

Os mitos
A primeira biografia substancial de Mozart foi um obituário escrito por Friedrich Schlichtegroll em 1793, basicamente a partir de relatos obtidos da irmã de Mozart, Nannerl, e algum material adicional de amigos do músico. As histórias pitorescas que eles narraram ao biógrafo foram apresentadas com uma importância exagerada, criando uma imagem do músico como uma criança que nunca crescera, irresponsável e incompetente em tudo o que ficava fora do mundo da música, às expensas do estudo de sua vida como homem adulto. Essa abordagem foi mais ou menos imitada nas outras que se seguiram imediatamente, como as de Arnold, Nissen, Niemetschek, Novello e Rochlitz, todas em graus variáveis inclinadas à romantização, falseamento puro ou interpretação tendenciosa dos fatos, e elas foram a base para o nascimento de toda uma tradição biográfica distorcida, que ainda nos dias de hoje faz notar sua influência, misturando lenda e fato indiscriminadamente. Constanze também teve um papel nessa tradição, pois dispondo de acesso a muito material autógrafo de Mozart, não hesitou em destruir ou censurar correspondência do marido para que a imagem dele, e por extensão da sua, fossem apresentadas a público de maneira respeitável. Sua vida adulta sempre em apertos econômicos, sua morte ainda na flor dos anos, seu enterro numa vala comum, se tornaram objeto de muita fantasia, sendo pintadas em cores trágicas ou melodramáticas e fazendo dele uma espécie de herói incompreendido e abandonado quando mais precisava. Por outro lado, parte dos biógrafos românticos, a partir de sugestões de Schlichtegroll, desenvolveram a teoria de que Mozart fora o responsável pela sua própria ruína por ter um caráter supostamente dissoluto e extravagante, tendo-se envolvido com inúmeras mulheres, se entregado à bebida e se comportado com arrogância diante de potenciais patrões. Não bastando isso, Constanze passou a ser sistematicamente vilipendiada por se julgar que ela teria sido uma influência maligna e contribuído ativamente para a desgraça do marido. Essas histórias não só foram aceitas por vários estudiosos sérios como
Alfred Einstein e Arnold Schering, mas se tornaram extremamente populares, ainda que a crítica mais atualizada as considere em larga medida desprovidas de qualquer fundamento.
Além desses aspectos, outras distorções em suas biografias surgiram de vê-lo como um gênio. Certamente o enorme talento de Mozart abria espaço para isso, mas então todas as construções biográficas românticas se estruturaram a partir de uma idéia preconcebida de como um gênio deveria ser e se comportar. Como o próprio conceito de gênio se transformou desde o século XVIII para cá, o resultado é que se formaram várias imagens diferentes de Mozart. Essa tradição foi lançada pelo seu pai Leopold, de acordo com uma visão quase religiosa do gênio como um ser abençoado por Deus. Com tal privilégio inato, cabia a Mozart consumar essa profecia. Biógrafos católicos como Adolphe Boschot, Téodor de Wyzewa e Georges de Saint-Foix deram prosseguimento ao tema como se o gênio fosse algo externo ao músico, como se falasse através dele, enfatizando a idéia de que Mozart não precisara estudar, se esforçar ou refletir para compor, como se tivesse nascido do nada, já inteiramente pronto, sem ter sofrido influências ou se relacionado com seu ambiente, mas é de notar que o próprio Mozart, ainda que cônscio de suas habilidades excepcionais, jamais descreveu a si mesmo como um gênio nesse sentido, e reconheceu seu débito para com outros músicos. Não obstante, chegou a se divulgar em 1815 uma carta falsificada de Mozart onde ele descrevia seu processo compositivo como uma inspiração próxima do
sonambulismo. Essa visão fez de Mozart não apenas um ser especial, mas verdadeiramente angélico, essencialmente bondoso, sadio e equilibrado, e por isso um clássico por excelência.
Todo esse ideário distorcido ou fantástico sobre Mozart foi aproveitado também por outros artistas românticos para inserí-lo na literatura ficcional. A prática iniciou com
E. T. A. Hoffmann, que escreveu em 1814 um conto, Don Juan, onde a ópera Don Giovanni é analisada como uma alegoria da queda de um espírito em sua busca equivocada do divino através do amor da mulher. Alexandre Pushkin contribuiu com duas pequenas tragédias, Mozart e Salieri - transformada em ópera por Rimsky-Korsakov -, e O Convidado de Pedra, a primeira reforçando a lenda do envenenamento de Mozart, e a outra uma releitura também do Don Giovanni original, encontrando no protagonista um alter ego do compositor. Aliás esta ópera atraiu diversos outros escritores românticos, como Søren Kierkegaard, Eduard Mörike e George Bernard Shaw, com uma variedade de interpretações filosóficas, morais e psicológicas.
Antes do trabalho de Köchel na catalogação de suas obras completas, apareceram diversas outras tentativas de compilação da obra de Mozart, mas nenhuma a rigor mereceu o nome de completa. De fato, nem mesmo a de Köchel o mereceu quando foi publicada, ainda que tenha se consagrado e permaneça em uso, sendo constantemente atualizada com as descobertas recentes. Aquela pretensão foi atendida em linhas gerais somente com a publicação da Alte Mozart-Ausgabe (Antiga Edição Mozart - AMA), de 1877-1883, completada em 1910, e também através da iniciativa de Köchel, revendo com mais exatidão seus estudos anteriores e ampliando-os com comentários críticos mais profundos de um grande grupo de colaboradores que incluía entre outros Johannes Brahms,
Philipp Spitta e Joseph Joachim. O resultado foi de todo notável, dificilmente concebível mesmo nos dias de hoje, mas esta edição ainda padecia de uma fraca unidade editorial e deixava alguns aspectos importantes sem análise. Com a ininterrupta série de estudos aparecendo, logo se patenteou que a AMA estava se tornando ultrapassada em vários pontos, e se planejou uma nova edição completa. Depois de muitas delongas causadas pela II Guerra Mundial, em 1954 a Internationale Stiftung Mozarteum de Salzburgo anunciou o lançamento da Neue Mozart-Ausgabe (Nova Edição Mozart - NMA), iniciando a publicação em 1955 sob a direção editorial de um grupo de musicólogos ilustres capitaneados por Otto Deutsch e financiada pela iniciativa privada em parceria com o governo da Alemanha. O mais importante diferencial da NMA foi sua abordagem, procurando oferecer uma edição que prima pela fidelidade aos originais e que aproveita as mais recentes pesquisas no terreno da autenticidade histórica da música. O trabalho principal só foi concluído em 1991, compondo 120 volumes, mas a edição ainda é continuada com suplementos.
Tem ocupado importante espaço no estudo da obra de Mozart a análise da sua correspondência. De acordo com Eisen as cartas da família Mozart compõem a mais extensa e pormenorizada correspondência sobre qualquer compositor do século XVIII ou anterior. Ao todo sobrevivem quase 1.600 cartas de Mozart e seus familiares, que fornecem um corpo de informação inestimável não apenas sobre sua vida mas sobre o ambiente cultural de seu tempo, além de darem dados valiosos sobre a cronologia de suas obras e seu processo compositivo, às vezes trazendo descrições detalhadas sobre vários aspectos de peças individuais.
Biografias menos eruditas e outras narrativas surgiram em profusão no século XX, descrevendo-o de uma grande variedade de maneiras. Houve aquelas que deram continuidade aos mitos românticos, falando dele em termos tais como "filho do Sol" e "sua música é o mesmo que civilização", ou "só com a reverência devida aos santos e mártires se pode falar da vida e morte de Mozart", ou lamentando que ele "havia morrido de fome e sido enterrado numa cova de indigentes"; na Alemanha nazista representaram-no como um nacionalista, ao mesmo tempo que outros países precisaram como compensação descrevê-lo como um cosmopolita, amante da humanidade, e o que de melhor a cultura germânica possuía; obras do leste europeu preferiram vê-lo como um compositor do povo, uma espécie de
socialista avant la lettre, e as mais diversas tendências intelectuais do século XX de uma ou outra forma puderam ser-lhe aplicadas, sendo um tema da história social, da história das idéias e, logicamente, da história da música. Foi até colocado no divã psicanalítico, adquiriu um status de guru da Nova Era e foi transformado em ícone punk. Por causa da complexidade de sua pessoa, sua música e seu tempo, e por causa da grande quantidade de documentação sobrevivente sobre todos esses aspectos, praticamente qualquer ponto de vista a seu respeito pode ser respaldado com pelo menos alguma evidência.
Por outro lado, como lembrou Sadie, com a quantidade de novos estudos sempre aparecendo, os "fatos" de sua vida estão sempre mudando, pois muito material novo vem sendo descoberto, incluindo obras musicais, o que implica uma contínua reavaliação do impacto dessas descobertas sobre o que já é conhecido, dando lugar a novas interpretações e conclusões. Um exemplo dessa situação é a frágil substancialidade da classificação de Mozart como um clássico, e da própria definição de Classicismo, contra as quais foram levantadas várias objeções, tanto históricas como contemporâneas - basta lembrar que para muitos românticos ele era também um romântico. Com as pesquisas recentes muitos conceitos consagrados vêm sendo revistos, e o Classicismo não foge à regra. Alguns autores têm apontado para o fato que em seu próprio tempo o conceito sequer existia, e os músicos daquela época chamavam a si mesmos de "modernos". A consagração do termo aplicado à música só ocorreu em meados do século XIX, primeiro como um elogio, com o significado simples de "exemplar", e como definição estética surgiu de uma cisão na intelectualidade germânica entre os que se declaravam pelos princípios do Romantismo e os que assumiam uma postura conservadora e se opunham aos românticos. Outros assinalam que os termos definidores usuais do Classicismo - perfeição, unidade, síntese, equilíbrio, contenção e integração forma/conteúdo - podem ser perfeitamente aplicados a outras manifestações artísticas, esvaziando o conceito de um significado profundo. Contudo, ele permanece largamente usado.
Na opinião geral da crítica especializada contemporânea Mozart é um dos maiores nomes de toda a história da música do ocidente, e de acordo com Eisen & Keefe, editores da The Cambridge Mozart encyclopedia, publicada pela
Universidade de Cambridge, é um ícone de toda a sociedade ocidental, mas a posição central que ele ocupa hoje nessa história não foi alcançada senão recentemente; até então ele havia sido apreciado, às vezes até deificado, mas dentro de um âmbito limitado. Não foi um revolucionário, aceitando a maior parte das convenções musicais de seu tempo, mas sua grandeza reside na complexidade, amplitude e profundidade com que as trabalhou, sobressaindo-se acima de seus contemporâneos. Como disse Rushton, sua popularidade cresce, e ainda que em pontos específicos suas obras possam ser criticadas, ele é um compositor que já não precisa de advogados para defendê-lo.

Registro de Batismo
Volumes da Neue Mozart-Ausgabe
Retrato de Mozart, 1763, possivelmente de
Pietro Antonio Lorenzoni. Internationale Stiftung Mozarteum
Wolfgang e sua irmã Nannerl, miniatura anônima de 1756
Cenas do filme Amadeus
O ator Tom Hulce, no papel de MozartCasa onde Mozart nasceu Monumento a Mozart em Salzburgo, com uma multidão de querubins a seus pés
Libreto de As Bodas de Fígaro, 1786
Pintura representando Mozart em sua infância.
Autor desconhecido Mozart em 1777, em retrato anônimo,
ostentando a Ordem Papal da Espora de Ouro
Retrato de Leopold Mozart, pintado por Pietro Antonio Lorenzoni
O último dia de Mozart, pintura romântica de Hermann Kaulbach, 1873
Página autógrafa da Grande Missa em dó menor, 1782/1783
Poster do filme Amadeus.

Estátua em homenagem à Mozart
O jovem Mozart ao cravo, gravura romântica de Karl Offterdinger, 1877
Retrato de Constanze Mozart por Joseph Lange, 1782
Viena em meados do século XVIII, em pintura de Canaletto.
Kunsthistorisches Museum
Reprodução da assinatura de Mozart
Partitura Original do compositor
A cantora Alice Verlet no papel da Rainha da Noite,
em apresentação da Flauta Mágica de 1912
Johann Nepomuk Hummel, o mais famoso dos alunos de Mozart
Wolfgang Amadeus Mozart
Mozart ao teclado com seu pai e sua irmã, 1763-1764.

Info: Wiki
Parte referente à Maçônaria: http://blogdamaconaria.blogspot.com/2008/05/msica-manica-de-mozart.html